Monday, September 9, 2019

O DIA DO GOLFINHO... (uma LEITURA DE BANHEIRO de NATALIA NODARI)



Me disseram que na na década de cinquenta uma mulher batia punheta para um golfinho em um aquário construído pela Nasa.

É claro que no começo não foi assim. No começo os cientistas buscavam uma golfinha para que o golfinho esvaziasse o pau dentro. Mas não era isso que ele queria, e se ter fome de doce e ser obrigado a comer salgado é uma das piores coisas que pode acontecer a um ser humano que tem sorte, quem dirá a um golfinho da Nasa. O objetivo do experimento era fazer o golfinho falar inglês. Americanos na década de cinquenta acharam que se mexicanos conseguiam essa proeza, quem dirá animais que eles valorizavam mais. O golfinho e a mulher dormiam juntos, acordavam juntos e comiam juntos em uma espécie de aquário hotel. A mulher era bonita e jovem e tinha pernas firmes e o golfinho era

bom,

era um golfinho. Durante as aulas de inglês ele colocava o pau para fora e se esfregava contra as coxas da mulher como uma criança que não consegue alcançar os bibelôs de vidro da prateleira da avó. Concluíram que o golfinho tinha se apaixonado e recomendaram que a mulher tocasse uma para ele para que tudo se resolvesse mais rápido. Transportar uma golfinha toda vez que o golfinho tirava o caralho pra fora do corpo era trabalhoso demais, e além disso, os cientistas concluíram que o golfinho estava apaixonado, já que eram todos cientistas homens e quando um homem quer enfiar o pau nos buracos de uma mulher, chama isso de amor.

A moça passou um ano entre punheta e aula de inglês. Trezentos e sessenta e cinco dias depois duas mil crianças mexicanas que tinham cruzado a fronteira de madrugada já falavam inglês fluentemente, e o golfinho seguia mudo e os cientistas ficaram envergonhados e tiveram medo que os russos começassem a fazer piadas envolvendo o golfinho Flipper e filmes pornô. Demitiram a moça que tocava punheta e recitava o ei-bi-ci e colocaram o golfinho num tanque.

O golfinho esperou pela volta da moça e depois pela volta do peixe e depois pela volta de alguém que tocasse nele

e não vindo ninguém, se matou e o que me deixa mais triste é saber que nessa história eu sou o golfinho. Nessa história você nunca deveria ter encostado a mão no meu corpo e nem me ensinado uma língua que não tinha como caber na minha boca. Como todo golfinho, eu não fui ensinada a bater de volta

como todo golfinho, eu fui treinada para ser acessível

para ser bonita e macia ao toque

como um golfinho eu não falo a língua dos homens e não vejo maldade nos olhos a não ser que me treinem, que me ensinem, que me tragam peixes e

como um golfinho eu respiro por um furo só, fácil de ser tapado

puxar o ar é mais difícil quando não se entende as coisas

você não deveria ter encostado em mim.


(publicado originalmente em O SEGUNDO CU)





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