MUITA
GENTE NÃO SABE, MAS A ROLLING STONE,
QUE
HOJE É UMA PUBLICAÇÃO TOTALMENTE INTEGRADA
AO
MAINSTREAM EDITORIAL BRASILEIRO,
JÁ
FOI UMA REVISTA BEM ALTERNATIVA,
APESAR
DE TER ESTADO SEMPRE A SERVIÇO
DA
INDÚSTRIA FONOGRÁFICA.
ENTRE
MEADOS DE 1971 E JANEIRO DE 1973,
A
ROLLING STONE CIRCULOU NO BRASIL
NO
FORMATO JORNAL TABLÓIDE
ENTÃO
ADOTADO PELA MATRIZ AMERICANA,
E
MESCLAVA ARTIGOS ORIGINAIS TRADUZIDOS
COM
COLABORAÇÕES DOS EDITORES BRASILEIROS
QUE
ERAM COMANDADOS POR LUIS CARLOS MACIEL.
DESNECESSÁRIO
DIZER QUE
FOI
UMA EXPERIÊNCIA MARAVILHOSA ENQUANTO DUROU
RECENTEMENTE,
UM ABNEGADO
FÃ
INCONDICIONAL DA REVISTA
CHAMADO
CRISTIANO GRIMALDI
DECIDIU
FAZER SCANS DE TODAS AS EDIÇÕES
DA
PRIMEIRA ROLLING STONE BRASILEIRA
E
DISPONIBILIZÁ-LAS NUMA HEMEROTECA VIRTUAL
PARA
QUE TODOS OS QUE A CONHECERAM
E
TODOS OS QUE SÓ OUVIRAM FALAR DELA
POSSAM
FOLHEAR E LER TODAS AS 37 EDIÇÕES PUBLICADAS
ATRAVÉS
DO ENDEREÇO
https://www.pedrarolante.com.br
SEJAM
BEM-VINDOS A WEBTRINCHEIRAS,
NOVA
SEÇÃO DE CACILDA!
QUE
VAI TRAZER AQUI TODA SEGUNDA
OS RECANTOS MAIS APRAZÍVEIS DA WEB.
por
Ana Maria Bahiana
(texto
publicado originalmente no Rio Fanzine de O Globo)
Ficava
no segundo andar de um sobrado cor-de-rosa na esquina de Visconde de Caravelas
com Conde de Irajá. Das janelas da redação, via-se o Corcovado e tudo parava no
final da tarde para um sorvete e outras guloseimas menos legais. O chão era de
tábuas corridas e rangia. O banheiro tinha um pequeno nicho a São Jorge,
Iemanjá, Buda e Shiva. Num extremo do sobrado, ficava o santo dos santos: o
escritório dos donos, um inglês e um americano muito festeiros.
Só
os chefes – Luís Carlos Maciel, editor, Lapi, diretor gráfico – tinham acesso a
ele. Fui lá uma vez: assinaram minha carteira de trabalho estalando de nova, a
primeira anotação da minha vida.
No
outro extremo, ficava a redação. A primeira sala era de Lapi. Parte do meu
trabalho era manter Lapi feliz e sossegado, o que nem sempre era fácil
considerando a noção vaga de "tempo", "prazo" e
"pauta" que reinava na outra sala, um cômodo de janelas enormes,
eternamente fechadas.
Este
era o império de Ezequiel Neves, que às vezes respondia por Zeca Jagger e era, na
verdade, o coração, a força motriz e o verdadeiro Shiva dançante de todo o
sobrado. Zeca tinha uma juba encaracolada, um perpétuo bronzeado e uma
lampadinha no pescoço. Várias vezes ao dia eu era chamada aos berros de
"garotiiiiiiiiinhaaaaaaaaaa" ou "Aniiiiiinhaaaaaaa". Em
geral, o que me aguardava era uma aula prática de jornalismo rock.
A
crueldade que Zeca reservava aos grandes era comparável apenas à ternura que
ele guardava para os pequenos. Nenhuma banda local era obscura demais, nenhum
guitarrista principiante demais para merecer sua mais devotada atenção.
Seus
acólitos nesse oficio eram Okky de Souza, com cachinhos de querubim barroco; o
repórter volante Drope, sempre com um relato detalhado dos últimos
acontecimentos; e o eternamente on the road Joel Macedo.
Se
Zeca era a pilha, Maciel era o córtex cerebral do sobrado, pairando com uma
calma zen sobre o festivo caos mal controlado que flutuava sobre as tábuas
rangentes. Nenhuma crise – A polícia vai dar batida! A edição foi recolhida
pela censura! Acabou o contrato com Jan Wenner! – era suficiente para abalar o
Maciel.
Fora
isso, Maciel sorria, tentava discutir com Zeca (impossível) e me ensinava o que
eu pedia para aprender. Minhas tarefas consistiam inicialmente em marcar as
laudas de matéria para a gráfica, recolher o material de ilustração, manter
Lapi feliz e responder às cartas dos leitores, o que era quase uma psicanálise.
Como
eu sabia muito bem, os leitores se julgavam donos da revista, sócios,
conspiradores. E eram. Dois escreviam quase toda semana: uns tais Jamari França
e José Emílio Rondeau. Eu reclamava com Maciel: esses caras estão monopolizando
as cartas!
Durou
um ano, exatamente: o ano de 1972. O último disco que recebemos foi Acabou
Chorare, dos Novos Baianos. Lembro dos janelões finalmente abertos, um poente
lindo de começo de verão entrando por cima das copas das amendoeiras, o disco
rodando na vitrola do Zeca. Todo mundo ouvindo os Novos Baianos dizerem que
tudo ia ficar lindo, a gente sabendo que a revista estava condenada e Zeca
dizendo: "Mas garotinhos, vai ser um verão demais!".
Durou
um ano exato. Foi mais que o primeiro ano do resto da minha vida.
Foi
o primeiro ano completamente feliz da minha vida.
por
Antônio do Amaral Rocha
(texto
publicado originalmente na Rolling Stone BR em Outubro de 2006)
O
tempo era outro. Exatamente há 35 anos, a primeira versão da Rolling Stone era
lançada no Brasil. Durou dois verões, exatas 36 edições. Apesar da ditadura em
que vivíamos, a revista divulgava assuntos que "faziam a nossa
cabeça". Seus 30 mil leitores, se tanto (eu entre eles), sentiam-se
vingados da gorilada que queria fazer o Brasil marchar em ordem unida. Não
vivíamos apenas de sexo, drogas, e rock'n'roll, pode crer. Naqueles tempos, a
Rolling Stone ensinava uma nova maneira de falar, de escrever, de pensar e se
relacionar com tudo. Esta é uma memória daquele tempo, apesar dos pesares,
feliz. Afinal, "eu já estou com o pé nessa estrada..."
A
década de 70 começou em 68 ou em 69? Imprecisão histórica? Talvez a imprecisão
seja a tônica deste texto, pois ele caminha num fio de navalha. E nada mais
traiçoeiro que registro embaçado, feito a partir da lembrança.
Maio
de 68, as barricadas de Paris: a juventude estudantil e o operariado saem às
ruas enfrentando o poder estabelecido. No Brasil: barra pesada, ditadura. Como
numa onda, a juventude pensa criticamente. Passeata dos Cem Mil, congressos
estudantis, prisões de estudantes e trabalhadores. Em 1969, nada será como
antes. Se até 1968 a busca de um novo modo de viver considerava a mudança na
forma de se fazer política, em 1969 isso já não estava no horizonte. A arte
passou a moldar o comportamento. Buscou-se um modo de viver mais simples, mais
próximo da natureza, longe da máquina avassaladora da tecnologia, que naquela
época ainda engatinhava.
Naquele
ano, Peter Fonda e Dennis Hopper filmaram Easy Rider — Sem Destino, aventura de
dois jovens americanos que em suas motocicletas saem em busca da liberdade.
Apesar do final deprimente (os dois servem de alvo para a pontaria de
rancheiros), ganhou ovação em Cannes e recebeu indicações para o Oscar nas
categorias de Melhor Ator Coadjuvante (Jack Nicholson) e Melhor Roteiro
Original. O filme fazia o elogio da liberdade, com trilha sonora da pesada,
como dizíamos na época: Steppenwolf, Jimi Hendrix, The Byrds, The Band, Bob
Dylan. Em Sem Destino, assim como na sociedade americana, a violência já se
fazia presente: cocaína e armas. Muitos de nós, meninos ingênuos, talvez não
quiséssemos enxergar.
Em
Bethel, perto de Nova York, numa fazenda, acontece o festival de Woodstock, de
15 a 17 de agosto. Público esperado: 50 mil pessoas. Comparecimento: 500 mil.
Foi filmado e lançado em 1970, como Woodstock — Three Days of Peace &
Music. O festival foi um big evento comercial (mas ninguém queria saber), com a
presença de vinte bandas e artistas solos, entre eles, Jimi Hendrix, The Who,
Creedence, Joe Cocker, Richie Havens, Santana, Joan Baez.
Em
6 de dezembro, os Rolling Stones vão a Altamont (Califórnia) para uma
apresentação ao ar livre. Antes de subirem ao palco, já havia problemas. A
"segurança" do show estava sob a responsabilidade dos Hell's Angels
de São Francisco, uma gangue de motoqueiros anti-flower power, armados com
tacos de baseball. Qualquer maluquinho que tentasse subir ao palco era
agredido. Durante a apresentação do Jefferson Airplane, que antecedeu os
Stones, muitos já haviam sido carregados para atendimento nos postos da Cruz
Vermelha, em bem maior número que os médicos podiam dar conta. Quando os Stones
entraram, a multidão ficou histérica, e os Hell's Angels entraram em ação.
Durante a execução de "Under My Thumb", um jovem negro, Meredith
Hunter, foi assassinado com uma punhalada nas costas. Mick Jagger percebeu
alguma coisa estranha acontecendo, mas não sabia exatamente o quê.
No
dia seguinte, os Stones descobriram que quatro pessoas haviam morrido. Há
versões de que Meredith foi agredido pelos Angels por estar acompanhado de uma
loira, mas soube-se depois que ele portava um revólver. O assassino, Alan
Passaro, foi julgado e inocentado por legítima defesa. O emblemático
acontecimento está registrado no filme Gimme Shelter. Convenhamos, havia algo
de podre naquele reino: armas num concerto de rock? Em plena era flower power!
"The Rolling Stones, disaster at Altamont: Let it bleed", dizia a
capa da edição 50 da Rolling Stone norte-americana, datada de 21 de janeiro de
1970. Fazer um paralelo entre a violência em Sem Destino e o concerto de
Altamont não é nenhum exagero, apesar do rock. Talvez nossa ingenuidade não
permitisse.
Em
1968, a vida no interior de São Paulo era uma modorra. Nada de mais acontecia.
Música, só pelo rádio, com seus chiados AM. Beatles, muito Beatles, The Mamas
& The Papas e sucessos comerciais. E tome Jovem Guarda. "Menina linda
eu te adoro, oh! Menina pura como a flor, sua boneca vai quebrar, mas viverá o
nosso amor" (versão de "I Should Have Known Better", de Lennon e
McCartney), e TV na casa do vizinho, aqueles programas de sábado à tarde. Ecos
da violência política, não sei como, ficávamos sabendo. "Se o Marighela
aparecer por aqui pedindo ajuda, eu o escondo, nem que seja no paiol dos
cabritos", pensava. Mas ele nunca apareceu. Colegial, teatro amador,
viagens pelas cidades da redondeza, paqueras, papos, gamação, sexo (mas como
fazê-lo?). Ninguém dava pra gente, só prostituta em rendez-vous. Namorada? Nem
pensar, só mão-boba e olha lá. Perigava a menina querer fazer você prometer
casamento. Comigo aconteceu e o namoro acabou.
Não
sei como, em junho de 1969, apareceu nas mãos do meu irmão Abel um exemplar do
número 15 de O Pasquim. Trazia uma entrevista com Elis Regina. Senti alguma
coisa diferente naquelas páginas. Humor tipicamente carioca-ipanemense, se bem
que eu nem sabia o que era Ipanema naquela época. Em novembro, na edição 22,
apareceu a famosa entrevista "asteriscada" com a nossa musa Leila
Diniz. Bonita, gostosa, linguaruda, Leila falou sobre homens, sexo,
comportamento, censura... Entre outras coisas, ela dizia que "trepava de
manhã, de tarde e de noite". Não tinha como não amar uma mulher daquelas.
Todos os palavrões, em mais um lance de humor, mas nem tanto, foram
substituídos por asteriscos. Apesar de alguns trechos ilegíveis, a entrevista
motivou a criação da Lei de Censura Prévia, apelidada de Decreto Leila Diniz.
Quando Leila morreu num desastre de avião, em 14 de julho de 1972, aos vinte e
sete anos, no auge da fama e beleza, ao saber da notícia, me tranquei no fétido
banheiro da gráfica onde trabalhava e chorei.
De
O Pasquim, o importante é destacar um jornalista em especial: Luiz Carlos
Maciel, também dramaturgo, roteirista de cinema, filósofo, poeta e escritor.
"Em 1969 estávamos mais ou menos ao Deus-dará. O sonho havia acabado, não
se tinha o que fazer ou para onde ir, formava-se o vazio histórico e
existencial onde medraram a luta clandestina e o desbunde...", disse ele
em seu livro Os anos 60. O sonho duraria mais dois anos, tempo suficiente para
Maciel nos colocar em contato com assuntos e temas inéditos. Sua coluna
Underground, de 1969 a 1971, divulgou os movimentos alternativos que eclodiam
no mundo e a importância que isso tinha. Com formação de filósofo, Maciel podia
entender e justificar as razões daquelas manifestações. Temas como Romantismo,
Surrealismo, Marxismo e Existencialismo sartreano eram usados para explicar o
hinduísmo, o embate Oriente-Ocidente, o flower power, a vida em comunidade, a
revolução sexual, o desbunde hippie, a metafísica, os shows de rock, a
contestação, a antipsiquiatria, a antipsicanálise, as idéias antenadas com
pensamentos de uma "nova era", a nova percepção da realidade por meio
das drogas (maconha, peiote, mescalina e LSD), a bruxaria, a era de Aquarius
(que parece, ainda não chegou) e a literatura da beat generation (Allen
Ginsberg, Jack Kerouac, Gregory Corso, William Burroughs).
Idéias
de pensadores "sérios" como Reich, Allan Watts, Timothy Leary, Norman
O'Brown, Marcuse eram constantes na coluna de Luiz Carlos Maciel, assuntos
denominados genericamente de "contracultura". Maciel devia se sentir
muito só naquele ambiente, já que contracultura no Brasil soava como algo
exótico, uma curiosidade americana, subjetiva e individualista para os
ideólogos da esquerda tradicional. Diz Maciel: "A coluna Underground sumiu
do Pasquim quando Tarso de Castro foi alijado do cargo de editor chefe e
substituído por seu desafeto Millôr Fernandes. Millôr detestava essa história
toda de contracultura, cabeludos, rock e, principalmente, baianos
tropicalistas. O Underground foi descartado e eles fizeram até uma campanha
contra os 'baihunos', que era como chamavam Caetano e Gil. Os caras do Pasquim
eram muito conservadores, embora desaforados. O único sensível à nova visão era
o Tarso de Castro. Foi ele, aliás, quem inventou a coluna Underground, porque
sabia que eu me interessava pelo assunto". Reflexão: se 1968 foi o clímax
do pensamento crítico, 1969 inaugura o desbunde, uma negação dessa rigidez.
Fazer
17 anos em 1970, naquele interior perdido no mapa, não era mole. Imagino que
aquela urbe só existisse porque por lá passa uma estrada importante. E as
cidades crescem à beira de uma estrada. E a estrada virou uma fixação.
"Adeus, vou pra não voltar". Já que não dava pra sair, ficava.
"Caminhando contra o vento sem lenço e sem documento...". Até o dia
em que um cinema de uma cidade próxima anunciou a projeção de Woodstock. Perco
o trem, volto a pé, mas não posso deixar de ver. E o que vi naquelas três horas
foi veneração, missa leiga, ritual orgiástico, revelação, pura epifania! O
cinema quase vazio era pequeno para tanta felicidade. Fiz uma coisa boba:
anotei a seqüência das bandas, querendo segurar aquele momento para sempre, sem
me dar conta de que poderia rever o quanto quisesse. Não tinha consciência de
que aquilo já era História. Finalmente o rock, o flower power se manifestando
na minha cara sem meias tintas. O rock existia, não era mais citação em jornal.
Estava ali em som estéreo e em cores.
Se
a coluna Underground deixou de existir, criou-se outro espaço de maior tamanho
e com dedicação exclusiva. Nasce Flor do Mal, mais uma de Maciel, agora com
Rogério Duarte, Tite de Lemos e Torquato Mendonça. Todo "composto" à
mão, trazia na capa, emoldurada com vinheta simulando espinhos, um texto de
Baudelaire sobre a imprensa. No centro, a imagem de uma garota negra sorrindo.
Maciel declarou que "na Flor podia se fazer o que desse na veneta".
Foi o primeiro jornal totalmente contracultural brasileiro e o mais lembrado.
Durou cinco números, mas em novembro de 1971, um sabiá me cantou que Luiz
Carlos Maciel iria liderar uma nova aventura: a Rolling Stone americana seria
publicada por aqui.
A
aventura no Brasil começou com um físico nuclear inglês, Mick Killingbeck, que
após visitar o país a trabalho, juntou alguns amigos (Stephen Banks, Stephane
Gilles Escate e Theodore George), adquiriu os direitos de publicação da Rolling
Stone por aqui e convidou Maciel a entrar no barco. "Mick Killingbeck foi
quem inventou aquela Rolling Stone brasileira. Foi ele quem negociou os
direitos da Rolling Stone americana e, depois de sondar o mercado, me escolheu
pra editar a versão brasileira por causa de minha coluna Underground no
Pasquim", lembra Maciel. Os verões de 1971 e 1972 foram tempos de muita
alegria para todos nós. E a Rolling Stone esteve presente nele durante 14
meses. "Ser o editor de uma revista era um sonho meu que realizei. Acho
até que tinha jeito pra coisa e lamento que não tenha tido a oportunidade de
repetir a dose. Foi uma das experiências melhores e mais úteis, um dos períodos
mais felizes da minha vida", disse Maciel.
A
edição zero da Rolling Stone foi lançada em novembro de 1971. Entre os
destaques, Gal Costa na capa e no miolo e uma matéria sobre uma onda de new
religion que acontecia em San Francisco. Trinta e seis edições foram publicadas
em menos de um ano, de 1º de fevereiro de 1972 a 5 de janeiro de 1973. Desde
"Caetano está entre nós" até "Brasil 73: Nova Consciência".
13 meses, dois verões de contracultura, rock, toque e notas ligadas. Nesse
período, ficamos sabendo de tudo o que acontecia no mundo underground:
comportamento, lançamentos de discos, concertos, bandas novas, teatro,
literatura, cinema, o que iria ou não dar certo. Aprendemos uma forma mais
descontraída de pensar, escrever e falar. Transávamos tudo, sendo que nesse
tempo transar significava fazer tudo, se relacionar com tudo, não tinha só o
sentido sexual. Ler a Rolling Stone era estar antenado com o mundo, não
importava onde você estivesse. Aliás, quanto mais longe do centro cosmopolita,
melhor. Você podia olhar para o céu e ver as estrelas, sentir o cheiro do
sereno, e se tivesse uma ajuda alucinógena, viajar. E essa viagem poderia se
dar sem sair do lugar.
Hoje,
o racionalismo não permite entender aquela proposta, mas naquele verão, não
havia dúvidas. A cena musical que começou com o fantástico disco de Gal Costa
(A todo vapor) terminou com o lançamento de um encontro antológico registrado
ao vivo: Chico Buarque e Caetano Veloso juntos. Nada poderia ser melhor.
"1972 acabou sendo um ano de total redenção da música brasileira", dizia
um dos editoriais da Rolling Stone. Mas, desde o número 34, algo de estranho
estava acontecendo. "A Rolling Stone americana cobrava royalties que nunca
foram pagos. Depois de não sei quantos meses, eles pararam de nos mandar
material — fotos e textos que vinham todas as quinzenas. A partir daí, tínhamos
que simplesmente roubar — o que não nos incomodava, pois éramos alternativos e
acreditávamos na propriedade coletiva de tudo. Por idéia do Lapi (ilustrador e
editor de arte) ou do Joel Macedo ou de ambos, a confissão "Pirata"
passou a aparecer abaixo do logotipo. A pirataria era um valor positivo na
contracultura", diz Maciel.
Os
editores pediam aos leitores que tivessem paciência, como dizia a nota
"Rolling rolando", publicada na edição 36: "Mais uma vez fomos
obrigados a mudar o dia da saída do Rolling Stone nas bancas. Vamos ver se dá
pra segurar. Se não der, vocês — please, please, — segurem por nós mais uma
vez". No mesmo número, um comunicado da Phonogram, assinado por André
Midani, dizia: "A quem interessar possa. Declaramos que temos o maior
interesse em que o trabalho desenvolvido pela revista Rolling Stone, no ano de
1972, prossiga com a mesma ênfase durante o ano de 1973. Sendo a única revista
especializada na rock music e na pop music, consideramos indispensável que as
companhias gravadoras e as indústrias eletrônicas dêem o devido apoio a esse
empreendimento".
Parecia
um réquiem. Seria o fim? Renovei minha assinatura e escrevi uma carta, não me
lembro bem o conteúdo, tentando dar uma força: "Oi, amizades, a revista
não pode deixar de existir, estou aqui, não vivo sem ela, sou leitor, gosto,
divulgo". Esta carta acompanhada de uma foto minha [acima], na beira de
uma estrada, com mochila nas costas, nunca foi publicada. Aquele foi mesmo o
último número da Rolling Stone no Brasil. Felizmente, a pedra continuou rolando
até hoje.
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