Monday, February 12, 2018

HISTOIRE D'O (parte 2)





CAPITULO 1
OS AMANTES DE ROISSY


Um dia, seu amante leva O para passear num bairro onde não costumam ir, o parque Montsouris, o parque Monceau. Na esquina do parque, no canto de uma rua onde nunca há ponto de táxis, depois de terem passeado pelo parque e sentado lado a lado na relva, avistam um carro com taxímetro, parecendo um táxi. "Entra", ele diz. Ela entra. É um fim de tarde de outono. Ela está vestida como sempre: sapatos de saltos altos, um tailler de saia plissada, uma blusa de seda e sem chapéu. Usa luvas longas que sobem até as mangas do tailler, e na bolsa de couro leva seus documentos, o pó-de-arroz e seu ruge. O táxi parte silenciosamente, sem que se tenha dito qualquer palavra ao motorista. Mas ele fecha as cortinas sobre os vidros à direita, à esquerda e atrás; pensando que quer beijá-la ou que quer que o acaricie, ela retirou as luvas. Mas ele diz: "Você está atrapalhada, me dá a sua bolsa". Ao recebe-la, ele a põe fora do seu alcance, e acrescenta: "Também está vestida demais. Desabotoe a cinta-liga e enrole as meias acima dos joelhos: toma estas ligas". É um pouco difícil, o táxi segue mais rápido, e ela tem medo que o motorista olhe para trás. Finalmente as meias são enroladas e ela sente-se constrangida ao sentir as pernas nuas e livres sob a seda da combinação. A liga desabotoada escorrega. "Abre o cinto", ele diz, "e tire as calcinhas". Isto é fácil, basta passar as mãos atrás das costas e levantar-se um pouco. Ele pega das suas mãos o cinto e as calcinhas, abre a bolsa e tendo-os guardado, diz: "Não deve sentar-se sobre a combinação e a saia, deve levantá-las e sentar-se diretamente no banco". O banco é de plástico liso e frio, sempre e O não ousa perguntar por que René não se move e não diz mais nada, nem que significado pode ter para ele que ela esteja ali, imóvel e muda, tão desnudada e tão oferta, com suas luvas, num carro negro que não sabe para onde vai. Apesar de nada mais ordenar nem proibir, ela não ousa cruzar as pernas ou aproximar os joelhos. Tem as mãos enluvadas apoiadas, uma de cada lado, sobre o banco.

"Chegamos", diz ele de repente. Chegaram: o táxi pára numa bela avenida, sob uma árvore - são plátanos - diante de uma espécie de pequena mansão que se advinha entre o pátio e o jardim, como as pequenas mansões do bairro de Saint-Germain. Os postes de iluminação estão um pouco longe, no carro ainda está escuro e chove lá fora. "Não se mexa", diz René; "não se mexa nem um pouco". Estende a mão para a gola de sua blusa, desfaz o nó, depois os botões. Ela inclina um pouco o busto, pensando que ele quer acariciar seus seios. Não. Apalpa apenas para segurar e cortar com um pequeno canivete as alças do sutiã, que retira. Agora, sob a blusa que ele novamente fechou, seus seios estão livres e nus, como nus e livres estão os quadris e o ventre, da cintura até os joelhos.

"Escuta", diz ele. "Agora você está pronta. Deixo-a . Você vai descer e bater à porta. Seguirá quem abrir e fará o que lhe for ordenado. Se não entrar imediatamente, virão buscá-la e se não obedecer imediatamente, farão com que obedeça. Sua bolsa? Não, você não precisa mais de sua bolsa. Agora você é apenas a mulher que eu estou fornecendo. Sim, sim, vou estar aí. Vai".

Uma outra versão do mesmo começo era mais brutal e mais simples: a jovem, vestida da mesma maneira, era levada num carro por seu amante e por um amigo dele que desconhecia. O desconhecido ia ao volante, o amante sentado ao seu lado; e era o amigo, o desconhecido, quem falava, para explicar-lhe que seu amante estava encarregado de prepará-la, que ia amarrar suas mãos às costas por cima das luvas, desabotoar sua cinta-liga e enrolar suas meias; tirar seu cinto, suas calcinhas e o sutiã, e vendar seus olhos; e que depois a entregariam no castelo, onde seria progressivamente instruída sobre o que tinha que fazer. Com efeito, uma vez despida e amarrada, depois de terem rodado por meia hora, ajudaram-na a sair do carro, fizeram-na subir alguns degraus, e depois de ter passado por algumas portas, sempre às cegas, deixaram-na sozinha numa sala escura, retirando enfim sua venda. Esperou aí por meia hora, uma hora ou duas ; não sei, mas que parecia um século. Mais tarde, quando final mente a porta se abriu, e que a cenderam a luz, percebeu que tinha esperado num ambiente banal, confortável, e , no entanto singular: um tapete espesso no chão, nenhum móvel, e cheio de armários embutidos. Duas mulheres, jovens e bonitas, abriram a porta. Vestiam-se como as belas servas do século dezoito. Longas saias leves e bufantes escondiam seus pés, e os espartilhos apertados, enlaçados ou grampeados na frente realçavam os seios, com rendas cobrindo o colo e mangas semilongas. Tinham pintado os olhos e a boca. Em torno do pescoço usavam uma gargantilha; nos punhos, braceletes apertados.

Sei que nesse momento soltaram as mãos de O que ainda estavam amarradas às costas e disseram-lhe para despir-se, pois iam banhá-la e maquiá-la. Deixando-a nua, guardaram suas roupas num dos armários. Não a deixaram tomar banho sozinha, e pentearam-na como no cabeleireiro, fazendo-a sentar-se numa dessas grandes poltronas que se inclinam quando se lava a cabeça e novamente se endireitam sob o secador, depois do mise-en-plis. Isso tudo costuma durar pelo menos uma hora. Durou mais do que uma hora, na verdade, mas estava sentada nua nessa poltrona e proibida de cruzar as pernas ou de aproximar os joelhos. E como havia um grande espelho à sua frente, de alto a baixo da parede que nenhuma mesinha interrompia, via-se assim aberta, sempre que seu olhar encontrava o espelho. Quando ficou pronta e maquilada, as pálpebras ligeiramente sombreadas, a boca muito vermelha, o bico e a auréola dos seios e a borda dos lábios do ventre rosados, os pelos das axilas e do púbis, o sulco entre as coxas, sob os seios, e as palmas das mãos longamente perfumados, fizeram-na entrar na sala onde um espelho de três faces e um quarto espelho na parede permitiam que se visse bem. Foi-lhe dito para sentar-se no tamborete no meio dos espelhos, e esperar. A pele negra que cobria o tamborete picava um pouco; o tapete era negro, as paredes vermelhas; assim como as sandálias que vestiam seus pés. Numa das paredes, uma grande janela dava para um belo parque sombrio. Tinha parado de chover, as árvores se moviam ao vento, a lua corria alto entre as nuvens. Não sei por quanto tempo ficou na sala vermelha, nem se estava realmente sozinha como pensava, ou se alguém a espreitava por uma abertura camuflada na parede. Só sei que, quando as duas mulheres voltaram, uma trazia uma fita métrica e a outra, uma cesta. Vinham acompanhadas de um homem vestido com uma longa túnica violeta, de mangas justas nos punhos e largas nas cavas, e que, ao caminhar, abria-se, até a cintura. Sob a túnica, via-se uma espécie de malha colante que cobria suas pernas e suas coxas, mas que lhe deixava à mostra o sexo. Ao seu primeiro passo, o que O viu imediatamente foi o sexo; em seguida, o chicote de tiras de couro em torno da cintura; depois, que estava mascarado por um capuz negro, que até os olhos dissimulava, com uma rede de tule negro - e, finalmente, as mãos, vestidas com luvas negras, de fina pelica. Tratando-a com intimidade, o homem ordenou-lhe que não se mexesse, e às mulheres que se apressassem. A que tinha a fita métrica tomou, então, as medidas do pescoço e dos pulsos de O. Eram medidas comuns, embora pequenas. Não foi difícil encontrar, na cesta que a outra segurava, o colar e os braceletes que lhes correspondiam. Eram feitos em várias camadas de couro (cada camada, bem fina, não ultrapassava a largura de um dedo) e fechados por um sistema de pressão, que funcionava automaticamente como um cadeado, só podendo se abrir com uma pequena chave. Na parte exatamente oposta à fechadura, no meio das camadas de couro, e quase sem molejo, havia um anel de metal que se prendia ao bracelete caso se quisesse fixá-lo, pois era apertado demais, assim como o colar, embora fossem suficientemente flexíveis para não machucar e ao mesmo tempo para impedir que por aí pudesse se introduzir qualquer coisa, mesmo que fina. Quando o colar e os braceletes foram fixados no seu pescoço e nos pulsos, o homem mandou que se levantasse. Sentando-se então no seu lugar, no tamborete de pele, aproximou-a de seus joelhos, passou a mão enluvada entre suas coxas e sobre seus seios e explicou-lhe que seria apresentada naquela mesma noite, depois do jantar, que deveria fazer sozinha. Com efeito, jantou sozinha, sempre nua, numa espécie de cabine onde uma mão invisível lhe passava os pratos através de uma abertura....

Tendo terminado o jantar, as mulheres voltaram para buscá-la. Já no quarto de vestir, as duas juntas fixaram os anéis dos braceletes às suas costas e puseram-lhe aos ombros, presa ao colar, uma longa capa vermelha que a cobria inteiramente, mas que se abria ao andar, pois não podia segurá-la tendo as mãos atadas às costas. Uma das mulheres caminhava na frente abrindo as portas, a outra vinha em seguida, fechando-as. Atravessaram um vestíbulo, dois salões, e entraram na biblioteca, onde quatro homens tomavam café. Vestiam túnicas longas como o primeiro, mas não usavam máscaras. O não teve tempo, entretanto, de ver seus rostos, para saber se seu amante estava entre eles (estava), pois um dos quatro dirigiu uma lâmpada em sua direção, que a cegou. Ficaram todos olhando para ela, imóveis: as duas mulheres, uma de cada lado, e os homens à sua frente. Depois, apagaram a lâmpada, as mulheres partiram e novamente colocaram a venda nos seus olhos. Foi então conduzida, vacilante, e ela sentiu que estava em frente à lareira, ao redor da qual os quatro homens tinham se sentado. O sentia o calor e escutava o crepitar suave das achas ardendo em silêncio. Estava voltada para o fogo. Duas mãos retiravam sua capa, enquanto duas outras desciam ao longo de seus quadris, depois de terem verificado o fecho dos braceletes; não usavam luvas, e uma delas penetrou-a nos dois lados ao mesmo tempo, tão bruscamente que ela gritou. Alguém riu. Outro disse: "Virem-na para que vejamos os seios e o ventre". Fizeram-na virar-se e o calor do fogo ficou às suas costas. Uma mão agarrou-lhe um seio, uma boca tomou o bico do outro. Mas, perdendo subitamente o equilíbrio, O caiu para trás; amparada, por que braços? Já abriam suas pernas, apartando suavemente os lábios: cabelos roçaram o interior de suas coxas. Ouviu alguém dizer que era preciso pô-la de joelhos, o que foi feito. Sentia-se desconfortável nessa posição, tanto mais que não lhe permitiam fechar os joelhos e que suas mãos, amarradas às costas, mantinham-na inclinada para frente. Permitiram-lhe então curvar-se um pouco para trás, meio sentada nos calcanhares, como costumam fazer as religiosas.

“Você nunca a amarrou?”

“Não, nunca.”

“Nem a chicoteou?”

“Também não, mas justamente ...”

Era seu amante quem respondia.

“Justamente amarrá-la algumas vezes, chicoteá-la um pouco, e permitir que tome gosto nisso, não. É preciso ultrapassar o momento do prazer, para se obterem as lágrimas.”

Fizeram então com que O se levantasse, e estavam para desamarrá-la, sem dúvida para prendê-la a alguma coluna ou à parede, quando alguém declarou que queria possuí-la antes, e imediatamente -- e assim, foi novamente colocada de joelhos, desta vez com o busto apoiado num tamborete, com as mãos sempre amarradas às costas, e os quadris mais altos do que o torso; e um dos homens, segurando com as duas mãos seus quadris, penetrou no seu ventre. Cedeu lugar a um segundo; o terceiro, procurou uma passagem mais estreita, e forçando-a bruscamente, fez com que gritasse. Quando a largou, gemendo e suja de lágrimas sob a venda, O caiu; foi para sentir uns joelhos contra seu rosto, e perceber que sua boca não seria poupada. Deixaram-na, finalmente, de bruços, cativa nos seus ouripéis vermelhos, diante do fogo. Ela escutou que os copos novamente se enchiam, que bebiam, que as cadeiras eram movidas. Mais madeira era colocada no fogo. De repente, tiraram a sua venda. A peça, grande, com livros pelas paredes, era debilmente iluminada por uma lâmpada sobre o console e pela claridade do fogo que se reanimava. Dois dos homens estavam de pé, fumando; um outro, sentado, tinha um chicote sobre os joelhos; e o que se inclinava para ela, acariciando-lhe o seio, era o seu amante. Mas os quatro a tinham possuído e ela não o havia distinguido dos demais.

Foi-lhe explicado que, enquanto permanecesse no castelo, seria sempre assim: veria o rosto daqueles que a violariam e atormentariam, mas nunca à noite, e jamais saberia quem eram os responsáveis pelo pior. O mesmo aconteceria quando fosse chicoteada, a menos que se quisesse que ela se visse sendo chicoteada; nesse caso, não usaria a venda numa primeira vez, mas eles colocariam suas máscaras, para que não pudesse distinguí-los. Seu amante levantou-a, colocando-a sentada em sua capa vermelha, no braço de uma poltrona junto à lareira para que escutasse o que tinham a lhe dizer e visse o que queriam lhe mostrar.

Continuava com as mãos amarradas às costas. Foi-lhe então mostrado o chicote que era negro, longo e fino, de um bambu estreito e coberto de couro, como os que se vêem nas vitrines das grandes lojas de arreios. O chicote de couro que o primeiro homem que vira trazia no cinto era longo, feito de seis tiras terminadas por um nó. Havia um terceiro chicote de cordas bastante finas que terminavam em vários nós, duros como se tivessem sido mergulhados na água, o que realmente fora feito, como pôde constatar quando o passaram sobre seu ventre e afastaram suas coxas para que pudesse sentir melhor as cordas úmidas e frias sobre a pele delicada do interior. Sobre o console, ficaram as chaves e as pequenas correntes de ferro. Numa das paredes, uma barra apoiava-se em dois pilares, numa altura média; num deles havia um gancho, pregado numa altura que um homem podia alcançar na ponta dos pés e com o braço esticado. Enquanto seu amante a tomava nos braços, com uma mão em seus ombros e a outra, como para fazê-la desfalecer, no fundo de seu ventre, queimando-a, disseram-lhe que iam desamar rar suas mãos, apenas para prendê-la, pelos mesmos braceletes e uma das pequenas correntes de ferro, a esta barra e que, com exceção das mãos que ficariam amarradas um pouco acima da cabeça, poderia se mexer e ver os golpes chegarem. Que no começo seria chicoteada apenas nos quadris e nas coxas, enfim, da cintura até os joelhos, como lhe tinham preparado no carro que a trouxera, no momento em que a fizeram sentar-se nua sobre o banco. Um dos quatro homens presentes, entretanto, provavelmente iria querer marcar suas coxas com a chibata, que deixa belas riscas, longas, profundas e que duram muito tempo. Nem tudo lhe seria infligido de uma só vez; teria tempo para gritar, debater-se e chorar. Deixá-la-iam respirar, mas assim que tivesse recuperado o fôlego recomeçariam, julgando o resultado não por seus gritos ou por suas lágrimas, mas pelos sinais, mais ou menos vivos ou duradouros, que os chicotes deixariam na sua pele. Observaram que esta maneira de julgar a eficácia do chicote, além de ser justa, e de tornar inúteis as tentativas que faziam as vítimas de despertar a piedade exagerando os gemidos, ainda permitia que fosse aplicado fora das paredes do castelo, ao ar livre do parque, como acontecia frequentemente, ou mesmo em algum apartamento ou num quarto de hotel, com a condição, é claro, de se usar uma mordaça (como lhe mostraram em seguida) que só deixe em liberdade as lágrimas, que abafe todos os gritos e que permita apenas alguns gemidos.

Não pretendiam usá-la aquela noite, muito pelo contrário. Queriam ouvir O gritar imediatamente. O orgulho que fazia com que resistisse e se calasse não durou muito: logo ouviram-na suplicar para que a desamarrassem, para que parassem um instante, um só. Contorcia-se com tal frenesi para escapar às mordidas das correias, que chegava a rodopiar em torno de si mesma diante do poste, e como a corrente que a prendia era longa e um pouco frouxa, embora sólida, também o ventre, a frente e os lados das coxas recebiam sua parte, quase tanto quanto os quadris. Com efeito, depois de terem parado um instante, decidiram só recomeçar uma vez tendo-se passado uma corda em torno de sua cintura e do poste. Como foi bem amarrada, para que o corpo ficasse mais fixo ao poste, o tronco necessariamente inclinou-se para um lado, destacando as nádegas do outro lado. A partir desse momento, os golpes só se perdiam deliberadamente. Considerando o modo como seu amante a entregara, O poderia imaginar que apelar para sua piedade era a melhor maneira para que redobrasse sua crueldade, tanto prazer encontrava em arrancar-lhe ou em fazer com que lhe arrancassem estes testemunhos indubitáveis do seu poder. E efetivamente foi ele quem observou que o chicote de couro, sob o qual O gemera primeiro, marcava muito menos (o que quase se podia obter com a corda molhada do outro chicote, e no primeiro golpe com a chibata) permitindo, assim, aumentar a duração da pena e recomeçar quase no instante em que viesse à fantasia. Pediu que só se usasse este. Enquanto isso, um dos quatro, que só amava as mulheres no que elas têm em comum com os homens, atraído por estas nádegas ofertas que abaixo da cintura esticavam-se sob a corda e que, ao quererem esquivar-se, mais se ofereciam, pediu uma pausa para aproveitar-se disso e, apartando-as, ardentes sob suas mãos, penetrou-a com dificuldade, observando que era necessário tornar essa passagem mais cômoda. Concluiu-se que isto era possível e que seriam tomadas as providências necessárias.

Depois de desamarrarem a jovem, cambaleante e quase desmaiada sob a capa vermelha, sentaram-na numa grande poltrona junto ao fogo para que, antes de ser levada à cela que devia ocupar, lhe fossem fornecidos os detalhes das regras que teria que observar no castelo durante o tempo em que permanecesse aí, e na vida normal, depois que o tivesse deixado (sem que isso significasse sua liberdade de volta). Bateram à porta. As duas mulheres que a tinham recebido traziam as roupas que vestiria durante sua estada, e com as quais deveria ser reconhecida por aqueles que tinham sido hóspedes do castelo antes da sua chegada ou que o seriam depois de sua partida. As roupas eram semelhantes às delas: sobre a anágua de cambraia engomada, um vestido longo de saia ampla, e com um corpete que deixava os seios, levantados pelo espartilho, quase descobertos, apenas velados pela renda. A anágua era branca, o espartilho e o vestido eram de cetim verde-água, e a renda, também branca. Quando O ficou pronta e voltou à sua poltrona perto do fogo, ainda mais pálida com seu vestido em tom pastel, as duas mulheres que tinham permanecido em silêncio, saíram. Um dos quatro homens segurou uma delas na saída, fazendo sinal à outra para que esperasse e, conduzindo-a até O, fez com que se virasse, segurando-a pela cintura com uma das mãos e com a outra levantando a saia para mostrar, disse-lhe, o porquê deste traje, e como podia ser reduzido, mantendo-se a saia levantada apenas com o cinto tanto quanto se quisesse, o que deixava à disposição, de um modo prático, o que assim se descobria. Aliás, frequentemente fazia-se circular pelo castelo ou pelo parque mulheres com as saias arregaçadas desta maneira, ou pela frente, sempre até a cintura. Fizeram com que a mulher mostrasse a O como deveria manter sua saia: levantada em várias voltas, presa no cinto bem na frente para deixar livre o ventre, ou bem no meio das costas para liberar as nádegas. Em ambos os casos, a anágua e a saia caíam em grandes pregas diagonais misturadas em cascata. Assim como O, a jovem mostrava, nos quadris, marcas frescas de chibata. Finalmente saiu.

Este é o discurso que em seguida dirigiram a O: "Você está aqui a serviço de seus senhores. Durante o dia, fará o trabalho que lhe confiarem para a manutenção da casa, como varrer, arrumar os livros, dispor as flores ou servir à mesa. Não há serviços mais pesados. Mas deve abandonar imediatamente o que estiver fazendo, à primeira palavra ou ao primeiro sinal de quem lhe ordenar, pelo seu único serviço verdadeiro, que é o de entregar-se. Suas mãos não são suas, nem seus seios, nem particularmente nenhum dos orifícios de seu corpo, que podemos esquadrinhar e nos quais podemos penetrar à vontade. Como um sinal, para que esteja sempre presente ao seu espírito, ou o mais presente possível, de que perdeu o direito de se esquivar, diante de nós nunca deverá fechar totalmente os lábios, nem cruzar as pernas ou aproximar os joelhos (como viu que lhe proibiram assim que chegou). Isso significará, aos seus próprios olhos e aos nossos, que a sua boca, o seu ventre e os seus quadris estão abertos para nós. Diante de nós, nunca tocará seus seios: eles são alteados pelo espartilho para nos pertencerem. Durante o dia, portanto, deverá ficar vestida, mas levantará a saia sempre que alguém lhe ordenar, e quem quiser poderá utilizá-la com o rosto descoberto _ e como quiser -- com restrição entretanto do chicote.

Este só lhe será aplicado entre o poente e o nascer do sol. Mas além da aplicação que será feita por quem desejar, poderá ser também punida com o chicote à noite, por ter faltado a alguma regra durante o dia: seja por não ter tido suficiente complacência, ou por ter levantado os olhos para quem vier falar-lhe ou possuí-la: nunca deve olhar-nos no rosto. Neste traje que usamos a noite, e que estou usando agora, se deixamos o sexo descoberto, não é pela comodidade que também se poderia obter de outro modo, é pela insolência, para que seus olhos se fixem nele e não se fixem em mais nada; é para que aprenda que este é o seu senhor, a quem seus lábios foram destinados em primeiro lugar. Durante o dia, quando estamos vestidos normalmente e você como agora, deverá observar as mesmas regras, e se for requisitada, terá apenas o trabalho de abrir suas roupas, que fechará quando tivermos acabado. Em compensação, à noite, só terá seus lábios e a abertura de suas coxas para nos homenagear, pois suas mãos serão amarradas às costas e estará nua como foi-nos trazida há pouco; só terá seus olhos vendados quando quisermos maltratá-la, e agora que já viu como a chicoteamos, quando for chicoteada. A este respeito, como é conveniente que se acostume a receber o chicote, será chicoteada todos os dias enquanto estiver aqui, não tanto pelo nosso prazer, como para sua instrução. Isto é tão verdadeiro, que nas noites em que ninguém a quiser, pode esperar que o criado encarregado desta função venha, na solidão da sua cela, aplicar-lhe o que deve receber e que não estejamos com vontade de aplicar. Com efeito, por este meio, assim como pela corrente que será fixada ao anel do seu colar e que deverá prendê-la na cama mais ou menos estreitamente durante várias horas por dia, trata-se muito menos de fazê-la sentir dor, gritar ou derramar lágrimas, do que fazê-la sentir, por meio desta dor, que está sob coação, de mostrar-lhe que se encontra inteiramente devotada a algo fora de você. Quando sair daqui, usará um anel de ferro no anular, que fará com que seja reconhecida. Nessa ocasião já terá aprendido a obedecer àqueles que estarão usando este mesmo sinal -- ao vê-lo, saberão que você está constantemente nua sob a saia, por mais correta e banal que seja sua roupa e que é para eles que está assim. Os que a acharem indócil, deverão trazê-la aqui, onde será conduzida à sua cela."

Enquanto falavam com O, as duas mulheres que tinham vindo vesti-la mantinham-se de pé dos dois lados do poste onde a tinham chicoteado, mas sem tocá-lo, como se ele as amedrontasse, ou como se lhes tivesse sido proibido (o que era mais provável). Quando o homem acabou, aproximaram-se de O, que compreendeu que devia levantar-se para segui-las. Levantou-se portanto, segurando as saias com um braço para não tropeçar, pois não estava acostumada a usar vestidos longos e não se sentia segura sobre os chinelos de solas elevadas e de saltos muito altos, que só uma faixa de cetim grosso, do mesmo verde que o vestido, impedia de escapar do pé. Ao abaixar-se, virou a cabeça. As mulheres esperavam, os homens não a olhavam mais. Seu amante, sentado no chão, encostado ao tamborete onde a tinham derrubado no começo da noite, com os joelhos levantados e os cotovelos sobre os joelhos, brincava com o chicote de couro. Ao primeiro passo que deu para alcançar as mulheres sua saia o roçou. Ele levantou a cabeça, sorriu, e chamando-a por seu nome, pôs-se de pé por sua vez. Acariciou suavemente seus cabelos, alisou suas sobrancelhas com a ponta do dedo e beijou-a docemente nos lábios. Disse alto que a amava. O, trêmula, percebeu com terror que lhe respondia "eu o amo" e que era verdade. Ele a tomou nos braços, dizendo "minha querida, meu coração", e beijando seu pescoço e seu rosto; O descansou a cabeça em seu ombro coberto pela roupa violeta...

Ele repetiu, dessa vez num sussurro, que a amava, e mais baixo ainda disse: "Fique de joelhos, acaricie-me, beije-me" e, empurrando-a, fez sinal às mulheres para se afastarem, encostando-se no console. Ele era grande, mas o console não era muito alto, e suas longas pernas, cobertas com o mesmo violeta de sua roupa, dobravam-se. A túnica aberta estendia-se por baixo como uma tapeçaria e a saliência do console alteava um pouco o sexo pesado e os pêlos claros que o coroavam. Os três homens aproximaram-se. O pôs-se de joelhos no tapete, seu vestido verde como uma corola ao seu redor. O espartilho a apertava, seus seios, cujas pontas se podia ver, ficavam à altura dos joelhos de seu amante. "Um pouco mais de luz", disse um dos homens. Quando finalmente o raio da lâmpada foi dirigido de modo a que a claridade caísse totalmente sobre seu sexo, sobre o rosto de sua amante que se encontrava bem perto, e sobre suas mãos que o acariciavam por baixo, René ordenou subitamente: "Repete: eu o amo". O repetiu "eu o amo" com tal delícia que seus lábios mal ousavam roçar a ponta do sexo, ainda protegido pela pele macia. Os três homens, fumando, comentavam seus gestos, o movimento de sua boca fechada e apertada sobre o sexo, ao longo do qual subia e descia, o rosto desfeito que se inundava de lágrimas cada vez que o membro inchado batia no fundo de sua garganta, empurrando sua língua e arrancando-lhe ânsias. Foi com a boca semi-amordaçada pela carne endurecida que a enchia qu e murmurou ainda: "eu o amo". As duas mulheres colocaram-se à direita e à esquerda de René, que se apoiava em seus ombros com os braços. O ouvia os comentários das testemunhas mas, além de suas palavras, espreitava os gemidos de seu amante, atenta em acariciá-lo com um respeito infinito e com a lentidão que sabia agradar-lhe. Sentia que sua boca era bela, pois seu amante condescendia em penetrá-la, pois condescendia em oferecer suas carícias como espetáculo, pois condescendia, enfim, em gozar nela. Recebeu-o como se recebe um deus, ouviu-o gritar, ouviu os outros rirem e, então, desabou com o rosto no chão. As duas mulheres a levantaram, e desta vez levaram-na para fora.

Suas sandálias faziam ruídos nos ladrilhos vermelhos dos corredores, onde se sucediam portas discretas e limpas, com minúsculas fechaduras, como as portas dos quartos dos grandes hotéis. O não ousava perguntar se esses quartos eram habitados, e por quem, quando uma de suas companheiras, cuja voz ainda não tinha ouvido disse: "Esta é a ala vermelha, e o seu criado chama-se Pierre". "Que criado?" _ perguntou O, tocada pela doçura da voz _ "e como você se chama?" "Eu me chamo Andreé." "E eu, Jeanne", disse a segunda. A primeira voltou a falar: "Pierre é o criado que tem as chaves, que deverá amarrá-la, desamarrá-la e chicoteá-la quando for punida ou quando não tiverem tempo para você". "Estive na ala vermelha no ano passado", disse Jeanne. "Ele já estava aí. Vinha sempre à noite; os criados têm as chaves e nos
quartos que fazem parte da sua seção, têm direito de servir-se de nós."

O ia perguntar como era esse Pierre mas não teve tempo. Numa curva do corredor fizeram-na parar diante de uma porta que em nada se distinguia das outras; e, sentado num banquinho entre esta porta e a seguinte, avistou uma espécie de camponês avermelhado, rechonchudo, com a cabeça quase toda raspada, pequenos e fundos olhos negros e rolinhos de gordura na nuca. Vestia-se como um criado de opereta: camisa de peitilho de rendas, colete negro e uma casaca vermelha. Suas calças eram negras, as meias brancas e as sapatilhas envernizadas. À cintura também trazia um chicote de tiras de couro. Suas mãos eram cobertas de pelos ruivos. Tirando uma chave do bolso do colete, abriu a porta e fez as três mulheres entrarem, dizendo: "Vou fechar, chamem quando tiverem terminado".

A cela era bem pequena e na realidade comportava duas peças. Fechada a porta, encontraram-se num vestíbulo que dava para a cela propriamente dita; na mesma parede havia outra porta abrindo para o banheiro; e, na frente das portas, uma janela. Na parede da esquerda, entre as portas e a janela, apoiava-se a cabeceira de uma grande cama quadrada, baixa e coberta de peles. Não havia outros móveis nem espelho. As paredes eram de um vermelho muito vivo e o tapete, negro. Andreé mostrou-lhe que a cama, na verdade, era uma plataforma acolchoada, coberta com um tecido negro de pelos muito longos que imitava uma pele. O travesseiro, do mesmo material, era achatado e duro como o colchão, assim como a coberta de face dupla. O único objeto que havia na parede encontrava-se, com relação à cama, mais ou menos à mesma altura em que se encontrava o gancho fixado ao poste, com relação ao chão da biblioteca: era uma grande argola de ferro que ficava pendurada sobre a cama. Seus anéis amontoados formavam uma pequena pilha e a outra extremidade prendia-se, à altura da mão, a um gancho fechado por um cadeado, como um cortinado que se tivesse puxado e segurado com um braço.

“Temos que lhe dar um banho, vou ajudá-la a tirar o vestido”, disse Jeanne.

As únicas características particulares deste banheiro eram o assento à turca, no ângulo mais próximo da porta, e as paredes totalmente revestidas de espelhos. Andreé e Jeanne só deixaram O entrar quando já estava nua; guardaram seu vestido no armário perto do lavabo onde já se encontravam seus chinelos e sua capa vermelha, e entraram com ela, de modo que quando teve que se acocorar sobre o pedestal de porcelana encontrou-se, no meio de tantos reflexos, tão exposta quanto na biblioteca, quando mãos desconhecidas a violentavam.

"Quando Pierre vier, você vai ver."

"Por que Pierre"

"Quando vier acorrentá-la, provavelmente vai querer que fique aí de cócoras"

O sentiu que empalidecia.

"Mas por quê?"

"Será obrigada, mas você tem sorte"

"Por que sorte?"

"Foi seu amante quem a trouxe?"

"Sim"

"Serão muito mais duros com você"

"Não compreendo..."

"Compreenderá logo. Vou chamar Pierre. Viremos buscá-la amanhã de manhã."

Andrée sorriu ao sair e Jeanne, antes de segui-la, acariciou o bico de seus seios, deixando-a parada ao pé da cama, perturbada. Estava nua, vestindo apenas o colar e os braceletes de couro que a água do banho tinha endurecido, tornando-os mais apertados. _ "Então, bela dama", disse o criado entrando. E, segurando suas mãos, fez com que os anéis dos seus braceletes escorregassem um no outro, o que uniu seus punhos estreitamente e prendeu estes dois anéis ao anel do colar. Encontrou-se portanto com as mãos unidas à altura do pescoço, como em prece. Em seguida acorrentou-a à parede com a corrente que repousava sobre o leito e passava pelo anel mais acima. Para encurtá-la, abriu o gancho que fixava sua outra extremidade, e puxou-o. O foi obrigada a aproximar-se da cabeceira da cama, onde ele a fez deitar-se. A corrente tilintava no anel e ficou tão esticada que a jovem só podia se movimentar na largura da cama ou ficar de pé junto à cabeceira. Como a corrente puxava o colar pelo lado mais curto, ou seja, para trás, e como as mãos a traziam para a frente, estabeleceu-se um equilíbrio: as mãos ficaram juntas sob o ombro esquerdo, para o qual a cabeça também se inclinou. O criado puxou sobre O a coberta negra, mas só depois de ter dobrado suas pernas até o peito para examinar entre suas coxas. Não mais a tocou, não disse uma palavra, desligou o interruptor de luz entre as duas portas e saiu.

Deitada do lado esquerdo, e sozinha no escuro e no silêncio, quente no seu acolchoado de peles e imobilizada à força, O perguntava-se por que tanta doçura misturava-se nela ao terror, ou por que o terror lhe era tão doce. Percebeu que uma das coisas mais dolorosas para ela era ter-lhe sido retirado o uso de suas mãos. Não que suas mãos pudessem defendê-la (e desejava defender-se?), mas livres, teriam esboçado o gesto, tentado rechaçar as mãos que se apoderavam dela, a carne que a atravessava, e teriam se colocado entre os quadris e o chicote. Tinham-na liberado de suas mãos: seu próprio corpo era-lhe inacessível sob as cobertas. Como era estranho não poder tocar seus próprios joelhos ou o seu ventre! Era-lhe proibido tocar os lábios entre as pernas, que a queimavam, talvez porque sabia-os abertos a quem quisesse: ao criado Pierre, por exemplo, se ele quisesse entrar. Admirava-se de que a lembrança do chicote a deixasse tão serena, quando o pensamento de que, sem dúvida, jamais saberia qual dos quatro homens por duas vezes tinha penetrado entre suas nádegas e que talvez fosse o seu amante, deixava-a tão transtornada. Escorregou um pouco sobre o ventre, lembrando como seu amante amava o sulco de suas nádegas e que, no entanto, com exceção desta noite (se tivesse sido ele), nunca possuíra. Desejou que tivesse sido ele; poderia lhe perguntar? Ah! Nunca! Reviu a mão que no carro tirara sua cinta-liga e suas calcinhas entregando-lhes as ligas para que enrolasse as meias acima dos joelhos. A imagem foi tão viva que se esqueceu de que tinha as mãos amarradas e fez com que a corrente que as prendia rangesse. E se era tão leve a lembrança do suplício, por que a simples ideia, a simples menção, a simples visão do chicote faziam com que seu coração batesse forte e seus olhos se fechassem de pavor? Não ficou muito tempo considerando se era apenas pavor, pois foi tomada de pânico: iriam puxar a corrente para pô-la de pé sobre a cama e a chicoteariam com o ventre colado à parede; e a chicoteariam, chicoteariam; a palavra rodopiava na sua cabeça. Pierre viria chicoteá-la, dissera Jeanne. E ainda dissera mais: "você tem sorte, serão muito mais duros com você": que tinha querido dizer? Não sentia nada, além do colar, dos braceletes e da corrente, seu corpo partia à deriva; iria compreender. Dormiu.

Nas últimas horas da noite, quando ela é mais escura e mais fria, logo antes do amanhecer, Pierre apareceu novamente. Acendeu a luz do banheiro deixando a porta aberta, o que projetou um quadrado de claridade no meio da cama, no lugar em que o corpo de O, delicado e encolhido, enchia um pouco a coberta, que ele retirou em silêncio. Como O estivesse deitada para o lado esquerdo, com o rosto voltado para a janela e os joelhos ligeiramente levantados, oferecia ao seu olhar suas nádegas muito brancas sob o tecido negro da coberta. Então, retirando o travesseiro de baixo da sua cabeça, Pierre disse-lhe polidamente: "Poderia ficar de pé, por favor?", e quando O ficou de joelhos tendo que agarrar-se à corrente para consegui-lo, ajudou-a segurando seus cotovelos para que se levantasse completamente e se pusesse de frente para a parede. O reflexo da luz sobre a cama negra iluminava seu corpo, mas não os gestos dele. Adivinhou, entretanto, sem ter visto, que soltava a corrente do mosquete para prendê-la a um outro elo, a fim de que ficasse bem esticada, e sentiu que se esticava. Seus pés repousavam, nus, achatados sobre a cama. Também não viu que o que ele trazia à cintura não era o chicote de couro e sim a chibata negra, semelhante àquela com que lhe tinham batido apenas duas vezes, e quase de leve, quando se encontrava presa ao poste. A mão esquerda de Pierre afirmou-se em sua cintura e o colchão dobrou um pouco; apoiara nele o pé direito para conseguir um equilíbrio melhor. Ao mesmo tempo em que ouviu um sibilo na penumbra, O sentiu uma queimadura atroz percorrer seus quadris, e berrou. Pierre chicoteava-a com toda a força. Não esperou que se calasse, e por quatro vezes recomeçou, tomando o cuidado de açoitar sempre abaixo ou acima da vez anterior, para que as marcas ficassem nítidas. Quando terminou, ela ainda gritava, as lágrimas escorrendo pela boca aberta. "Pode se virar, por favor?", disse, e como, atordoada, não lhe obedecia, segurou-a pelos quadris, sem largar a chibata, cujo cabo roçou sua cintura; quando ficou de frente, recuando um pouco, com toda a força desceu a chibata sobre suas coxas. Tudo isso durou cinco minutos. Quando finalmente saiu, depois de ter apagado a luz e fechado a porta do banheiro, O ainda gemia de dor, oscilando contra à parede na ponta da sua corrente, na escuridão. Até calar-se e permanecer imóvel junto à parede, cujo tecido brilhante era fresco à sua pele rasgada, passou-se todo o tempo que o dia demorou para amanhecer. A grande janela para a qual, apoiada de lado, estava virada, dava para o leste e, do teto ao chão, não tinha nenhuma cortina, a não ser o drapeado de ambos os lados, do mesmo tecido vermelho que cobria a parede, e que se desdobrava em pregas verticais presas em faixas. O assistiu nascer uma lenta e pálida aurora que espalhava suas brumas sobre os tufos de astérias junto à janela, libertando finalmente um álamo. De tempos em tempos suas folhas amareladas caíam voltejando, embora não houvesse nenhum vento. Na frente da janela, depois do arbusto de astérias malvas, via-se um gramado, e, no fim do gramado, uma alameda. O dia estava totalmente claro, e há muito tempo O já não se mexia. Um jardineiro apareceu na alameda empurrando um carrinho de mão. Ouvia-se ranger a roda de ferro sobre o cascalho. Se tivesse se aproximado para varrer as folhas caídas junto às astérias, a janela era tão grande e a peça tão pequena e tão clara, que teria visto O acorrentada e nua e as marcas da chibata nas suas coxas.

As cicatrizes tinham inchado e formavam rolinhos estreitos, muito mais escuros que o vermelho das paredes. Onde estaria dormindo seu amante, como gostava de dormir nas manhãs calmas? Em seu quarto, em que cama? Saberia do suplício a que a entregara? Teria sido ele quem o decidira? O pensava nos prisioneiros, como os que se vêm nas gravuras dos livros de história, que também tinham sido acorrentados e chicoteados há muitos anos ou séculos, e que tinham morrido. Não desejou morrer, mas se o suplício era o preço a pagar para que seu amante continuasse a amá-la, desejou apenas que ele ficasse contente por tê-lo padecido e esperou, doce e calada, que a conduzissem para ele.

Nenhuma mulher tinhas as chaves das portas ou das correntes, ou as dos braceletes e dos colares, mas todos os homens possuíam, presas num anel, os três tipos de chaves que, cada uma no seu gênero, abriam todas as portas, todos os cadeados, ou todos os colares. Os criados também as possuíam, mas, pela manhã, os que tinham estado de serviço à noite dormiam e era um dos senhores ou algum outro criado que vinha abrir as fechaduras. O homem que entrou na cela estava vestido com um blusão de couro, calças de montaria, e usava botas. O não o reconheceu. Imediatamente, soltou a corrente da parede e ela pôde se deitar. Então, antes de desamarrar-lhe os pulsos, passou a mão entre suas coxas, como tinha feito o primeiro homem que vira na pequena sala vermelha, e que usava máscara e luvas. O rosto deste era ossudo e magro, o olhar direto como se vê nos retratos dos velhos huguenotes, e seus cabelos eram grisalhos. O aguentou seu olhar por um tempo que lhe pareceu interminável e, bruscamente gelada, lembrou-se de que era proibido olhar para os senhores acima da cintura. Fechou os olhos, mas já era tarde demais e escutou-o rir e dizer enquanto libertava finalmente suas mãos: "Anotem uma punição para depois do jantar". Falava com Andreé e Jeanne que tinham entrado com ele e que esperavam, de pé, cada uma de um lado da cama. Dito isto retirou-se. Andreé pegou o travesseiro que estava no chão e a coberta que Pierre tinha puxado para o pé da cama quando viera chicotear O, enquanto Jeanne trazia para a cabeceira uma mesa rolante que tinha sido colocada no corredor e que continha café, leite, açúcar, pão, manteiga e croissants.

"Coma depressa, são nove horas; depois poderá dormir até meio-dia, e quando ouvir tocar será o momento de aprontar-se para o almoço. Deverá tomar banho e pentear-se e eu virei fazer sua maquilagem e apertar seu espartilho"

"Só terá serviço à tarde", disse Jeanne; "na biblioteca, onde deverá servir o café, os licores e manter o fogo na lareira"

"Mas, e vocês?", disse O.

"Só estamos encarregadas de você nas primeiras vinte e quatro horas de sua estada, depois ficará sozinha e deverá tratar apenas com os homens. Não podemos falar com você, nem você conosco."

"Fiquem", disse O, "fiquem um pouco mais, e digam-me..."

Mas não teve tempo de acabar a frase. A porta se abriu; era seu amante, e não estava sozinho. Era seu amante vestido como quando saía da cama e acendia o primeiro cigarro do dia: de pijama listrado e roupão de flanela azul, aquele mesmo roupão acolchoado e forrado de seda que tinham escolhido juntos um ano antes. E seus chinelos estavam gastos, precisava comprar outros. As mulheres desapareceram sem outro ruído que o farfalhar da seda quando levantaram suas saias (todas as saias arrastavam-se um pouco). Sobre o tapete não se escutavam os chinelos. O, com uma xícara de café na mão esquerda e na outra um croissant, sentada à beira da cama com uma perna pendurada e a outra dobrada, ficou imóvel, com a xícara subitamente tremendo em sua mão, enquanto o croissant caía.

"Pegue-o", disse René. Foi sua primeira palavra. Pondo a xícara sobre a mesa, O pegou o croissant caído e colocou-o ao lado da xícara. Uma migalha ficara no tapete, junto ao seu pé descalço e René abaixou-se por sua vez, pegando-a. Depois, sentou-se ao lado se O, derrubou-a na cama e a beijou. O perguntou-lhe se a amava. "Ah! eu a amo", respondeu. Levantou-se e, fazendo com que também levantasse, pousou docemente a palma fresca de sua mão e seus lábios ao longo das cicatrizes. Como viera com seu amante, O não sabia se podia ou não olhar o homem que entrara e, que por enquanto, dava-lhe as costas, fumando perto da porta. O que aconteceu em seguida não aliviou seu sofrimento. "Aproxime-se para que a vejamos", disse seu amante. E, conduzindo-a para o pé da cama, comentou com seu companheiro que este tinha razão e agradeceu-lhe acrescentando que era justo que a possuísse primeiro, se tivesse esse desejo. O desconhecido, a quem não ousava olhar, depois de passar-lhe a mão sobre seus seios e suas nádegas, pediu-lhe que abrisse as pernas. "Obedeça", disse René; e manteve-se de pé, apoiada de costas nele próprio, que também estava de pé, acariciando seu seio com uma mão enquanto com a outra sustentava seu ombro. O desconhecido tinha se sentado na beira da cama e, puxando-a pelos pelos, segurava e abria lentamente os lábios que protegiam a cavidade do ventre. René, ao compreender o que se queria dela, empurrou-a para a frente, para que ficasse mais ao alcance, e com o braço direito rodeou sua cintura oferecendo uma maior firmeza. O percebeu imediatamente que não escaparia a esta carícia que nunca aceitara sem se debater e ficar coberta de vergonha, da qual sempre se esquivara o mais rápido possível, tão rápido que mal tinha tempo de ser atingida, e que lhe parecia sacrílega porque parecia-lhe sacrílego que seu amante estivesse a seus joelhos, quando ela é quem devia estar aos seus. Viu-se perdida; pois gemeu quando os lábios estranhos que se apoiavam sobre o monte de carne que sai da corola interior inflamaram-na subitamente, só a deixando para que a ponta quente da língua a inflamasse mais ainda; e gemeu mais forte quando os lábios recomeçaram. Sentiu que a ponta escondida se endurecia e se levantava entre os dentes e os lábios que a uma longa mordida aspirava e não mais largava, e sob a qual ofegava. Sentiu que ainda perdia o equilíbrio e encontrou-se deitada de costas com a boca de René sobre sua boca; suas mãos mantinham seus ombros pregados na cama, enquanto duas outras mãos, segurando-a sob os joelhos, abriam e levantavam suas pernas. Suas próprias mãos que se encontravam sob suas nádegas (pois no momento em que René a empurrara para o desconhecido tinha amarrado seus pulsos juntando os anéis dos braceletes), suas próprias mãos roçaram o sexo do homem que se acariciava no sulco de suas nádegas, subia e ia bater no fundo de seu ventre. Ao primeiro golpe, gritou como sob o chicote e novamente gritava a cada golpe até seu amante morder-lhe a boca.

Arrancando-se bruscamente, o homem finalmente deixou-a, e projetado ao chão como um raio, também ele gritou. René desamarrou então as mãos de O, levantou-a e deitou- a sob a coberta.

Num relâmpago, O viu-se libertada, aniquilada, maldita. Tinha gemido sob os lábios do estranho, como nunca seu amante a fizera gemer, tinha gritado sob o choque do membro do estranho como nunca seu amante a fizera gritar. Estava profanada e culpada. Seria justo que a abandonasse. Mas não, a porta se fechava e ele ficava com ela, voltava, deitava-se junto a ela sob a coberta, penetrava no seu ventre úmido e ardente e, mantendo-a assim abraçada, dizia-lhe: "Eu a amo. Quando a entregar também aos criados, virei uma noite para fazê-la chicotear até o sangue". O sol tinha atravessado a bruma e inundava o quarto. Mas só foram despertados pela campainha do meio-dia.

Não soube o que fazer. Seu amante estava ali, tão próximo, tão meigo e abandonado como na cama do quarto de teto baixo onde costumava dormir ao seu lado, desde que começaram a morar juntos. A sua era uma grande cama em acaju de colunas à inglesa, mas sem baldaquim, sendo as colunas da cabeceira mais altas do que as do pé. René sempre dormia à esquerda e quando acordava, mesmo que fosse no meio da noite, estendia a mão para as suas pernas. Era por este motivo que ela só usava camisolas e, se usava pijama, nunca punha as calças. Fez como de costume e O, segurando essa mão, beijou-a sem ousar perguntar-lhe nada. Mas ele falou. Segurando-a pelo colar, com dois dedos enfiados entre o couro e o pescoço, falou-lhe que de agora em diante queria compartilhá-la com aqueles que escolhesse e com aqueles que ele próprio não conhecia e que eram filiados à sociedade do castelo, como tinha acontecido na noite anterior; que ela dependia dele e só dele, mesmo se recebesse ordens de outros, estivesse ele presente ou ausente, pois, em princípio, participava de qualquer coisa que se exigisse dela ou que se lhe infligisse, e que era ele quem a possuía e quem usufruía dela através daqueles em cujas mãos tinha sido entregue, simplesmente porque fora ele quem a entregara. Devia ser-lhes submissa e recebê-los com o mesmo respeito com que o recebia, como se fossem outras formas dele mesmo. Assim, iria possuí-la, como um deus possui suas criaturas, das quais se apodera sob a máscara de um monstro ou de um pássaro, do espírito invisível ou do êxtase. Não queria separar-se dela. Quanto mais a entregava, mais sentia-se ligado a ela. O fato de que a entregava era para ele uma prova, como devia ser também para ela, de que lhe pertencia; só se dá aquilo que se possui. Dava-a, para retomá-la em seguida, e retomá-la enriquecida aos seus olhos, como um objeto comum que tivesse uma função divina e que, por causa dessa função, fosse consagrado. Há muito tempo desejava prostituí-la e sentia com alegria que o prazer que experimentava era maior do que tinha esperado e que, quanto mais fosse humilhada e maltratada, mais se ligaria a ela, assim como ela a ele. Como ela o amava, só podia amar o que vinha dele. O escutava e tremia de felicidade, pois ele a amava; tremia e consentia. Sem dúvida René adivinhou, pois continuou: "Como é fácil para você consentir, quero algo que lhe seja impossível consentir, mesmo que consinta antes, mesmo que diga sim agora e que se imagine capaz de submeter-se. Não poderá deixar de se revoltar. Sua submissão será obtida apesar de você, não apenas pelo incomparável prazer que eu ou outros encontrarão nisso, como para que tome consciência do que fizeram com você". O ia responder que era sua escrava e que suportava com alegria essa escravidão, mas ele a interrompeu: "Disseram-lhe ontem que enquanto estivesse no castelo não deveria olhar para um homem no rosto, nem lhe falar. O mesmo deve fazer comigo; deve apenas calar-se e obedecer. Amo- a. Levante-se. De agora em diante só abrirá a boca na presença de um homem para gritar ou para acariciar". O levantou-se. René continuou deitado. Ao tomar seu banho, estremeceu quando mergulhou os quadris machucados na água quente e teve que passar esponja sem esfregar para não despertar o ardor. Depois, penteou-se, pintou a boca mas não os olhos, maquilou o rosto e sempre nua, mas de olhos baixos, voltou para a cela. René olhava Jeanne que tinha entrado e que se encontrava de pé à cabeceira da cama, também de olhos baixos e calada. Disse-lhe para vestir O. Jeanne pegou o espartilho de cetim verde, a anágua branca, o vestido, os chinelos verdes e, tendo abotoado o espartilho na frente, começou a apertar os cordões às costas. O espartilho era longo e rígido, armado com duras barbatanas, como no tempo das cinturas de vespa e possuía um porta-seios. À medida que era apertado os seios subiam, apoiando-se na parte de baixo do porta-seios e oferecendo mais ainda seus bicos. Enquanto isso, a cintura estrangulada fazia saltar o ventre e as nádegas tornarem-se muito empinadas. O estranho é que esta armadura era bastante confortável e, até certo ponto, repousante. Tinha-se que ficar bem ereta mas, sem que se soubesse muito bem por que, a menos que fosse por contraste, tornava mais sensível a liberdade, ou melhor, a disponibilidade do que não comprimia. A saia longa e o corpete decotado em trapézio da base do pescoço até os bicos dos seios e em toda a sua amplitude, davam-lhe a impressão de que vestia menos uma proteção do que um aparato de provocação, ou de apresentação. Quando Jeanne terminou de amarrar os cordões com um nó duplo, O pegou sobre a cama o vestido, que era uma peça só, a anágua, presa à saia como um forro removível e o corpete, cruzado na frente e amarrado atrás, podendo acompanhar assim a linha mais ou menos fina do busto, conforme se tivesse apertado mais ou menos o espartilho. Jeanne tinha apertado bastante e O via-se no espelho do banheiro, pela porta aberta, franzina e perdida no espesso cetim verde que caía em gomos sobre seus quadris, como se fossem balaios. As duas mulheres estavam de pé, uma ao lado da outra. Jeanne estendeu o braço para retificar uma dobra na manga do vestido verde e seus seios moveram-se na renda que bordava seu corpete, seios que tinham o bico comprido e a auréola escura. Seu vestido era de palha de seda amarela. René, que tinha se aproximado das mulheres, disse a O: "Olhe". E a Jeanne: "Levante o seu vestido". Levantando com ambas as mãos a seda farfalhante e a cambraia que a forrava, ela descobriu o ventre dourado, as coxas e os joelhos brilhantes e o triângulo negro bem delimitado. René colocou aí sua mão, acariciando-o lentamente, enquanto com a outra mão libertava o bico de um seio. "É para que você veja", disse a O. O via. Via seu rosto irônico, mas atento, seus olhos que espreitavam a boca entreaberta de Jeanne e seu pescoço inclinado que o colar de couro apertava. Que prazer podia lhe dar que esta, ou qualquer outra, não lhe desse também? "Ainda não tinha pensado nisto?", perguntou René. Não, não tinha pensado. Apoiara-se na parede entre as duas portas, rígida, com os braços caídos. Não havia mais necessidade de ordenar-lhe que se calasse. Como poderia falar? Talvez seu desespero o tenha tocado, pois deixou Jeanne para tomá-la entre os braços, chamando-a de seu amor e de sua vida e repetindo que a amava. A mão com que acariciava seu colo e seu pescoço estava umedecida e com o odor de Jeanne. E daí? O desespero em que se afogara retrocedeu; ele a amava, ah! Ele a amava! Era livre para procurar seu prazer em Jeanne ou em outras, mas a amava. "Eu o amo", dizia O ao seu ouvido, "eu o amo", tão baixo que ele mal podia ouvi-la. "Eu o amo". Finalmente partiu, mas só quando a viu doce, com os olhos claros, e feliz.

Jeanne tomou O pela mão e conduziu-a para o corredor. Novamente ouviu-se o ruído de seus chinelos nos ladrilhos e novamente encontraram um criado sentado numa banqueta entre as portas. Vestia-se como Pierre, mas não era ele. Era grande, seco, com pelos negros. Caminhando à sua frente, conduziu-as a um vestíbulo, onde entraram. Diante de uma porta de ferro forjado que se destacava entre grandes cortinas verdes, dois criados esperavam. Tinham cães brancos com manchas vermelhas aos seus pés. "É o claustro", murmurou Jeanne. Mas o criado que caminhava à frente ouviu-a e voltou-se. O viu com estupor que Jeanne tornou-se muito pálida e, largando sua mão e seu vestido que segurava levemente com a outra mão, caiu de joelhos sobre a laje negra. Os dois criados que se encontravam perto da lareira começaram a rir. Um deles aproximou-se de O pedindo-lhe que o seguisse, abriu uma porta na frente da que tinham acabado de passar, e desapareceu. O ainda ouvia risadas e percebeu o som de passos. Depois a porta fechou-se atrás dela e nunca, mas nunca, soube o que tinha acontecido; se Jeanne tinha sido punida por ter falado, nem como, ou se tinha apenas cedido a algum capricho do criado e atirando-se de joelhos tinha obedecido a alguma regra, ou desejado e conseguido comovê-lo. Percebeu apenas, durante sua primeira semana estada no castelo, que durou duas semanas, que embora a ordem de silêncio fosse absoluta, era raro que durante as idas e vindas, ou durante as refeições, não se tentasse infringi-la, particularmente durante o dia e só na presença dos criados, como se as roupas dessem uma segurança que a nudez, as correntes da noite e a presença dos senhores anulavam. Percebeu também que, enquanto o menor gesto que pudesse parecer um atrevimento para com algum dos senhores fosse naturalmente inconcebível, o mesmo não acontecia com relação aos criados. Estes nunca davam uma ordem, embora a polidez de seus pedidos fosse tão implacável quanto as ordens. Aparentemente tinham ordem para punir imediatamente as infrações à regra, mesmo quando eram as únicas testemunhas. Assim, em três ocasiões, uma vez no corredor que conduzia à ala vermelha e as duas outras no refeitório onde acabavam de levá-la, O viu mulheres que tinham sido surpreendidas falando, serem jogadas ao chão e chicoteadas. Era possível, portanto, ser chicoteada em pleno dia, apesar do que lhe tinha sido dito na primeira noite, como se o que acontecia com os criados não devesse contar, mas ser deixado à sua decisão. O dia conferia ao traje dos criados um aspecto estranho e ameaçador. Alguns usavam meias negras e, em vez da casaca vermelha e do peitilho branco, vestiam uma camisa leve de seda vermelha franzida no pescoço e com mangas amplas abotoadas nos punhos. Foi um desses criados que, no oitavo dia, ao meio-dia, com o chicote já na mão, fez com que levantasse de seu banquinho, ao lado de O, uma opulenta Madalena loira, com um colo de leite e de rosas, que tinha lhe sorrido e dito algumas palavras, tão depressa que O não as tinha compreendido. Antes mesmo que a tocasse, ela já se encontrava aos seus joelhos, as mãos, tão brancas, procurando sob a seda negra o sexo ainda em repouso, que libertava e aproximava de sua boca entreaberta. Não foi chicoteada desta vez. E como neste momento ele fosse o único vigilante no refeitório e como, à medida que recebia a carícia ele fosse fechando os olhos, as outras mulheres aproveitaram para falar. Era possível, portanto, subornar os criados. Mas para quê? Se havia uma regra à qual O se dobrava com mais dificuldade, e finalmente nunca dobrou-se completamente, era a que proibia olhar os homens no rosto - pelo fato de que também era aplicável aos criados. O sentia-se em constante perigo, de tal modo que era devorada pela curiosidade pelos rostos e efetivamente foi chicoteada por um ou outro quando o percebiam; não tanto, na verdade (pois tomavam liberdades com a ordem, e talvez gostassem o suficiente da fascinação que exerciam, para não se privarem por um rigor absoluto e eficaz dos olhares que só deixavam seus olhos e sua boca para voltarem ao sexo, a seu chicote, a suas mãos, e recomeçarem) mas certamente sempre que tinham vontade de humilhá-la. Por mais cruelmente que a tivessem tratado quando decidiam fazê-lo, nunca teve a coragem, ou a covardia, de atirar-se por si mesma aos seus joelhos e, se às vezes suportou-os, nunca os solicitou. Quanto à regra do silêncio, salvo com relação ao seu amante, era-lhe tão leve que nunca a infringiu, respondendo por sinais quando alguma das moças aproveitava-se de um momento de distração dos guardas para lhe falar. Essas coisas aconteciam geralmente durante as refeições, que tinham lugar na sala para onde tinham-na levado na ocasião em que o criado alto que as acompanhava voltara-se contra Jeanne. As paredes do refeitório eram negras, assim como o piso e a mesa comprida de vidro grosso, e cada moça tinha um banquinho redondo coberto de couro negro onde se sentava. Para sentar-se, tinham que levantar a saia e, nesse momento, O reencontrava, no contato com o couro liso e frio sob suas coxas, aquele primeiro instante em que seu amante a fizera tirar as meias e a calcinha e sentar-se dessa maneira no banco do carro. Inversamente, quando deixou o castelo e, vestida como todo o mundo mas com as nádegas nuas sob o tailler banal ou o vestido comum, teve que levantar a combinação e a saia cada vez que se sentava ao lado de seu amante ou de algum outro, era o castelo que reencontrava, os seios oferecidos nos espartilhos de seda, as mãos e as bocas que tudo se permitiam e o terrível silêncio. Nada, entretanto, foi-lhe de tanto socorro quanto este silêncio, quando não as correntes. As correntes e o silêncio, que deveriam amarrá-la no fundo de si mesma, estrangulá-la, sufocá-la, ao contrário, liberavam-na de si mesma. Que teria acontecido se a palavra lhe tivesse sido concedida, se lhe tivesse sido deixada uma escolha quando seu amante a prostituía diante dele? É verdade que durante os suplícios ela falava, mas pode-se chamar palavras o que não passa de lamentos e gritos? Mesmo assim, muitas vezes faziam-na calar-se, amordaçando-a. Sob os olhares, sob as mãos e os sexos que a ultrajavam, sob os chicotes que a rasgavam, perdia-se numa delirante ausência de si mesma que a entregava ao amor, aproximando-a talvez da morte. Tornava-se qualquer uma, podia ser qualquer das moças, como elas abertas e violentadas e que via abrirem e violentarem, pois via tudo isso, quando ela própria não tinha que ajudar. No dia seguinte, que foi seu segundo dia, quando ainda não tinham se passado vinte e quatro horas desde a sua chegada, foi, portanto, conduzida à biblioteca para aí fazer o serviço do café e da lareira.

Acompanhava-a Jeanne, que o criado de pelos negros tinha trazido de volta, e uma outra moça que se chamava Monique. Foi o mesmo criado quem as trouxe, permanecendo de pé no recinto, junto ao poste onde O tinha sido amarrada. A biblioteca ainda estava deserta. As portas e janelas davam para oeste, e o sol do outono, que lentamente girava num céu tranquilo e com poucas nuvens, iluminava, sobre uma cômoda, um grande ramo de crisântemos cor de enxofre que cheiravam a terra e a folhas mortas. "Pierre marcou-a ontem à noite?", perguntou o criado. O respondeu que sim com um sinal. "Você deve mostrar então", disse, "queira levantar seu vestido, por favor". Esperou que ela enrolasse o vestido por trás como Jeanne tinha feito na noite anterior, e que Jeanne a ajudasse a prendê-lo. E disse-lhe em seguida para acender o fogo. As nádegas de O, descobertas até a cintura, suas coxas e suas pernas delicadas, enquadravam-se nas dobras em cascata da seda verde e da cambraia branca. As cinco cicatrizes estavam negras. O fogo já estava preparado na lareira e O teve apenas que acender a palha com um fósforo, sob os gravetos que se inflamaram. Os ramos de macieira logo pegaram, depois as achas de carvalho que queimavam em altas chamas crepitantes e claras, quase invisíveis durante o dia, mas perfumadas. Um outro criado entrou e colocou sobre o console, uma bandeja com xícaras e café, retirando-se em seguida. O aproximou-se do console. Monique e Jeanne ficaram de pé, uma de cada lado da lareira. O pensou ter reconhecido, pela voz, um dos homens que a tinham violentado na véspera, aquele que tinha pedido que se tornasse mais fácil o acesso às suas nádegas. Observava-o de soslaio, enquanto vertia o café nas pequenas xícaras pintadas em negro e ouro que Monique ofereceu, junto com o açúcar. Teria sido então este rapaz franzino, tão jovem e louro, que tinha o aspecto de um inglês? Mas ele continuava falando e já não teve mais dúvidas. O outro também era louro, atarracado, com aspecto mais pesado. Sentaram-se nas grandes poltronas de couro com os pés diante do fogo e fumaram tranquilamente lendo seus jornais sem mais se preocuparem com as mulheres, como se não estivessem ali. De vez em quando ouvia-se o barulho de um papel sendo amassado, e das brasas que caíam. De tempos em tempos, O colocava uma acha no fogo. Estava sentada sobre uma almofada no chão, ao lado de uma cesta de lenhas. Monique e Jeanne também se sentavam no chão, à sua frente, e suas saias espalhadas misturavam-se. A de Monique era vermelha escura. De repente, mas só depois de já ter passado uma hora, o rapaz louro chamou Monique e Jeanne e disse-lhes que trouxessem o tamborete. (Era o tamborete onde O tinha sido derrubada de bruços, na véspera). Monique não esperou outras ordens; ajoelhou-se, e inclinou-se sobre o tamborete, esmagando o busto e agarrando-se dos lados com as duas mãos. Quando o rapaz mandou Jeanne ir levantar sua saia vermelha, não se mexeu. Jeanne então (e a ordem foi dada nos termos mais brutais) teve que abrir sua roupa e tomar em suas mãos aquela espada de carne que pelo menos uma vez atravessara O tão cruelmente. Dentro da palma fechada inchou e endureceu e O viu essas mesmas mãos, as mãos pequenas de Jeanne, apartando as coxas de Monique, entre as quais, lentamente e com pequenos impulsos que a faziam gemer, o rapaz penetrou. O outro homem que assistia sem dizer nada fez sinal a O para aproximar-se e sem parar de olhar, inclinando-a para frente sobre o braço da poltrona - a saia levantada oferecia-lhe toda a amplitude de suas nádegas penetrou em seu ventre com toda sua mão. Foi assim que René a encontrou um minuto depois quando abriu a porta. "Não se mexa, por favor ", disse, e sentou-se no chão junto à lareira, na almofada em que O estivera sentada antes que a chamassem. Olhava-a atentamente e sorria todas as vezes que a mão a segurava, penetrava e voltava, apoderando-se ao mesmo tempo de seu ventre e se suas nádegas que se abriam cada vez mais, e arrancando-lhe um gemido que não podia reter. Monique já tinha se levantado há muito tempo, Jeanne atiçava o fogo no lugar de O, trouxe para René, que lhe beijou a mão, um copo de whisky que ele bebeu sem tirar os olhos de O. Então o homem que continuava segurando-a disse: "É sua?". "Sim", respondeu René. "Jacques tem razão", continuou o outro, "é muito estreita, precisamos alargá-la". "Não demais, também", disse Jacques. "À vontade", falou René levantando-se, "você é melhor juiz do que eu". E tocou a campainha.

E desde então, durante oito dias, entre o momento em que, no final do dia, terminava seu serviço na biblioteca e o momento em que, entre oito e dez horas, era trazida, acorrentada e nua sob sua capa vermelha, O usava, fixado no centro de suas nádegas por três correntinhas penduradas num cinto de couro que rodeava seus quadris, para que o movimento interno dos músculos não o pudesse rejeitar, um cilindro de ebonite que imitava um sexo levantado. Uma dessas pequenas correntes acompanhava o sulco das nádegas, e as outras duas o interior das coxas, dos dois lados do triângulo do ventre, a fim de não impedirem a penetração sempre que se quisesse. René tocara a campainha para mandar trazer um pequeno cofre onde num dos compartimentos havia uma provisão de correntinhas e de cintos e no outro uma variedade destes cilindros que iam dos mais estreitos aos mais grossos. Todos eles alargavam-se na base para assegurar que não subiriam para o interior do corpo, o que arriscaria deixar-se fechar novamente o círculo de carne que deviam forçar e distender. O ficou assim, aberta, e cada vez m ais, pois todos os dias Jacques ordenava que a pusessem de joelhos, ou melhor, que a prostrassem, para cuidar de que Jeanne, Monique ou qualquer outra que estivesse por aí, fixassem o cilindro que tinha escolhido, e escolhia-o sempre mais grosso do que o anterior. Durante a refeição da noite, junto com outras moças, no refeitório para onde iam depois do banho, nuas e maquiladas, O ainda o usava, e pelas correntes e pelo cinto, todos podiam ver que o usava. Só Jacques o retirava, no momento em que Pierre vinha acorrentá-la, na parede, para passar a noite quando ninguém vinha solicitá-la, ou com as mãos às costas quando a conduziam à biblioteca. Foram raras as noites em que ninguém apareceu para utilizar este caminho que em pouco tempo tinha se tornado tão fácil, embora continuasse mais estreito do que o outro. Depois de oito dias não foi mais necessário e seu amante veio dizer-lhe que se sentia feliz por encontrá-la duplamente aberta e que cuidaria de que permanecesse assim. Avisou-lhe ainda que ia partir e que não o veria durante esses últimos sete dias em que deveria ficar no castelo, antes que ele retornasse para levá-la de volta a Paris. "Mas eu a amo", acrescentou, "eu a amo, não me esqueça". Ah! E como o esqueceria, se ele era a mão que lhe vendava os olhos, o chicote do criado Pierre, a corrente sobre a cama, o desconhecido que mordia o fundo do seu ventre, e se todas as vozes que lhe davam ordens eram a sua voz? Cansava-se? Não. De tanto ser ultrajada, deveria habituar-se aos ultrajes, de tanto ser acariciada, às carícias, quando não ao chicote, de tanto ser chicoteada. Uma terrível saciedade da dor e da volúpia poderia transportá-la pouco a pouco a regiões insensíveis, próximas do sono ou do sonambulismo. Mas o que acontecia era o contrário. O espartilho que a mantinha ereta, as correntes que a mantinham submissa e o silêncio que era seu refúgio, de alguma forma não o permitiam, assim como o espetáculo constante das moças violentadas como ela, e mesmo quando não eram violentadas, de seus corpos constantemente acessíveis. Também não o permitiam o espetáculo e a consciência de seu próprio corpo. Todos os dias, e como num ritual, por assim dizer, suja de saliva, de esperma e do suor misturado ao seu próprio suor, sentia-se literalmente o receptáculo da impureza, o esgoto de que falam as escrituras. No entanto, as partes do seu corpo mais constantemente ofendidas e que tinham se tornado mais sensíveis, pareciam-lhe ao mesmo tempo mais belas, e como enobrecidas; sua boca que se fechava sobre sexos anônimos, os bicos dos seus seios constantemente acariciados por muitas mãos e os caminhos do seu ventre entre as coxas abertas, estradas abertas pelo prazer. Admirava-se de que ao ser prostituída viesse a ganhar em dignidade e , no entanto tratava-se de dignidade. Sentia-se como iluminada por dentro e via-se, no seu modo de andar, a calma, e no seu rosto, a serenidade e o imperceptível sorriso interior que se adivinha nos olhos das reclusas.

A noite já tinha chegado quando René lhe disse que ia deixá-la. O estava nua em sua cela esperando que viessem buscá-la para ir ao refeitório. Seu amante vestia-se como de costume, com a roupa que usava todos os dias para ir à cidade. Quando a tomou nos braços O sentiu o tweed de seu casaco que roçava o bico dos seus seios. Ele a beijou e deitando-a na cama, deitou-se ao seu lado. Então, possuiu-a ternamente, lenta e docemente, indo e vindo pelos dois caminhos que lhe eram oferecidos, para finalmente gozar em sua boca, que em seguida beijou. "Antes de partir gostaria de mandar chicoteá-la" disse "e desta vez lhe pergunto: você aceita?" Aceitou. "Eu a amo ", repetiu; "agora, chame Pierre". Ela chamou. Pierre veio e amarrou suas mãos acima da cabeça, na corrente da cama. Quando estava assim amarrada, seu amante beijou-a mais uma vez, de pé sobre a cama ao seu lado e ainda uma vez repetiu que a amava; depois desceu da cama e fez sinal a Pierre. Viu-a debater-se tão inutilmente, escutou seus gemidos tornarem-se gritos e quando finalmente as lágrimas correram, dispensou Pierre. Ela ainda encontrou forças para dizer-lhe mais uma vez que o amava. Beijando então seu rosto molhado e sua boca ofegante, René desamarrou-a, deitou-a e partiu.

Dizer que O começou a esperar por seu amante no mesmo instante em que este a deixou é dizer pouco, pois, desde esse momento, não foi mais do que espera e noite. Durante o dia não passava de uma imagem pintada, cuja pele é doce e a boca dócil, e - foi o único tempo em que observou estritamente esta regra - que mantinha os olhos sempre abaixados. Acendia e alimentava o fogo, oferecia o café e a bebida, acendia os cigarros, arrumava as flores e dobrava os jornais, como uma mocinha no salão de seus pais, tão límpida com seu colo descoberto, seu colar de couro, seu espartilho apertado e seus braceletes de prisioneira que bastava ficar ao lado dos homens, quando estes exigiam, ao violentarem alguma outra moça, para que quisessem violentá-la também; foi por isso, talvez, que a maltrataram ainda mais. Teria cometido algum erro? Ou seu amante a tinha deixado justamente para que aqueles a quem emprestava se sentissem mais livres para disporem dela? Assim é que uma tarde, dois dias depois de sua partida, quando acabava de tirar a roupa e olhava no espelho de seu banheiro as marcas já quase apagadas da chibata de Pierre na parte da frente das coxas, Pierre entrou. Ainda faltavam duas horas para o jantar. Avisando-a de que não jantaria no refeitório como de costume, disse-lhe para aprontar-se, mostrando-lhe o vaso à turca no canto do banheiro, onde com efeito teve que ficar de cócoras como Jeanne lhe dissera que teria que fazer na presença de Pierre. Durante todo o tempo em que permaneceu aí, ele a observava e ela via-o nos espelhos, assim como a si mesma, incapaz entretanto de reter o líquido que escapava do seu corpo. Em seguida, ele esperou que tomasse seu banho e que se maquilasse. E, quando ela foi buscar seus chinelos e sua capa vermelha, interrompeu seu gesto e, amarrando suas mãos às costas, mandou-a esperar um pouco. O sentou-se na beira da cama. Fora havia uma tempestade de ventos frios e de chuva e o álamo perto da janela curvava-se e novamente se alteava sob as rajadas. De tempos em tempos algumas folhas pálidas e molhadas grudavam nos vidros. Estava escuro como no coração da noite embora ainda não fossem sete horas, mas o outono estava adiantado e os dias se encurtavam. Quando voltou, Pierre trazia nas mãos a mesma venda com que tinham tapado seus olhos na primeira noite. Trazia, também, uma longa corrente barulhenta, semelhante à da parede. Parecia que hesitava entre por-lhe primeiro a corrente, ou a venda. Indiferente ao que se fizesse com ela, O olhava a chuva, pensando apenas que René tinha dito que voltaria, que ainda faltavam cinco dias e cinco noites, que não sabia onde se encontrava, se estava sozinho e, se não estivesse, com quem estaria. Mas voltaria. Pierre colocara a corrente sobre a cama e, sem perturbar os sonhos de O, punha sobre seus olhos a venda de veludo negro, que se avolumava um pouco abaixo das órbitas, aplicando-se exatamente sobre as maçãs do rosto e impossibilitando que por aí se deslizasse o mínimo olhar ou que as pálpebras pudessem se levantar. Bendita noite, semelhante à sua própria noite, jamais a tinha acolhido com tanta alegria, benditas correntes que a arrancavam de si mesma! Pierre prendeu a corrente no anel do seu colar e pediu-lhe que o acompanhasse. O levantou-se, sentiu que era empurrada para a frente, e caminhou. Seus pés nus ficaram gelados no ladrilho e compreendeu que seguia o corredor da ala vermelha; depois o chão, sempre frio, tornou-se áspero: caminhava sobre um pavimento de pedra, cerâmica ou granito. Por duas vezes o criado a fez parar: escutou o ruído de uma chave girando numa fechadura que foi aberta e depois novamente trancada. "Cuidado com os degraus", disse Pierre. Começou a descer uma escada, mas tropeçou. Pierre segurou-a com força. Nunca a tinha tocado antes, a não ser para acorrentá-la ou para lhe bater, mas nesse momento deitou-a nos degraus frios onde, para não escorregar, O agarrava-se o melhor que podia com as mãos presas, e pegou seus seios. Sua boca ia de um para o outro, e ela percebeu que, enquanto apoiava-se nela, lentamente ia se enrijecendo. Só a levantou quando tinha acabado de usá-la à vontade. Molhada e tremendo de frio, descera finalmente os últimos degraus, quando ouviu que mais uma porta se abria e, assim que passou por ela, sentiu sob os pés um tapete espesso. Mais uma vez a corrente foi esticada e, em seguida, as mãos de Pierre desamarraram suas mãos e tiraram sua venda. Encontrava-se num compartimento redondo e abobadado, muito pequeno e baixo; as paredes e a abóbada eram de pedra e viam-se as juntas de alvenaria. A corrente que estava presa ao seu colar, prendia-se também à parede na frente da porta, por uma argola fixada a um metro de altura e só lhe permitia dar dois passos para a frente. Não havia cama, nem simulacro de cama, nem coberta, apenas três ou quatro almofadas marroquinas, mas fora de seu alcance, e que não lhe eram destinadas. Entretanto, ao seu alcance, num nicho de onde partia o pouco de luz que iluminava a peça, encontrava-se uma bandeja de madeira com água, frutas e pão. O calor dos aquecedores que tinham sido dispostos na base e no meio das paredes e que formavam uma espécie de plataforma ardente à sua volta, não era suficiente, entretanto, para eliminar o odor de limo e de terra que é o odor das antigas prisões nas torres desabitadas dos velhos castelos. Nesta penumbra quente onde nenhum ruído penetrava, O logo perdeu a noção do tempo. Não havia mais dia nem noite, a luz nunca se apagava. Pierre, ou qualquer outro criado, indiferentemente, vinha pôr água, frutas e pão na bandeja quando tinha acabado, e levá-la para banhar-se numa habitação contígua. Nunca viu os homens que entravam, pois todas as vezes um criado vinha antes para vendar seus olhos e só retirava a venda quando tinham saído. O também esqueceu quantos foram, e suas doces mãos e seus lábios acariciando às cegas jamais souberam reconhecer a quem estavam tocando. Às vezes eram muitos, mais frequentemente vinham sozinhos, mas todas as vezes, antes de se aproximarem, era posta de joelhos diante da parede, com o anel do seu colar pendurado na mesma argola onde já se encontrava fixada a corrente, e chicoteada. Colocava então as palmas das mãos contra a parede, apoiando nelas o rosto para não arranhá-lo na pedra; mas mesmo assim ainda escoriava os joelhos e os seios. Também perdeu a conta dos suplícios e dos gritos que a abóbada abafava. Esperava ...


De repente o tempo deixou de ser imóvel. Em sua noite de veludo soltavam sua corrente. Fazia três meses, três dias, dez dias ou dez anos, que esperava. Sentiu que a envolviam num tecido grosso e que alguém, segurando-a pelos ombros e pelos tornozelos, levantava-a e a levava. Reencontrou-se em sua cela, deitada sob a coberta negra. Era o começo da tarde, seus olhos estavam abertos, suas mãos livres e René, sentado ao seu lado, acariciava seus cabelos. "Deve se vestir", disse, "vamos partir". Tomou então um último banho, e ele escovou seus cabelos entregando-lhe seu pó-de-arroz e seu batom. Quando ela voltou à cela, encontrou sobre a cama seu tailler, sua blusa, sua combinação, suas meias e seus sapatos, assim como a bolsa e as luvas. Encontrou até o casaco que costumava usar sobre o tailler quando começava a esfriar, e um lenço de seda para proteger o pescoço. Mas não estavam aí nem sua cinta-liga, nem suas calcinhas. Vestiu-se lentamente, enrolando as meias acima dos joelhos e sem vestir o casaco, pois fazia muito calor na cela. Neste momento, entrou na cela o homem que na primeira noite tinha lhe explicado o que lhe seria exigido e retirou seu colar e os braceletes que há duas semanas mantinham-na cativa. Estaria enfim livre? Ou ainda faltaria alguma coisa? Não disse nada, ousando apenas passar as mãos sobre os punhos, sem ousar levá-las ao pescoço. Em seguida o homem mostrou-lhe vários anéis iguais num pequeno cofre de madeira e mandou que escolhesse o que servisse melhor no seu anular esquerdo. Eram curiosos anéis de ferro folheados a ouro no interior e com um engaste grande e pesado como o de uma chevalière (um tipo de anel grande e pesado) - porém mais alto, contendo em ouro o desenho de uma espécie de roda semelhante à roda solar dos celtas, com três ramificações, que se fechavam em espiral. O segundo que experimentou, forçando um pouco, coube exatamente. Era pesado em sua mão, e o ouro brilhava furtivamente no cinza fosco do ferro polido. Por que o ouro, por que o ferro, por que este signo que não compreendia? Mas, neste aposento revestido de vermelho, onde a corrente ainda se encontrava pendurada acima da cama e a coberta negra caída ao chão e onde o criado Pierre podia entrar, ia entrar, absurdo em seu traje de ópera à luz velada de novembro, não era possível falar. Enganava-se: Pierre não entrou. René ajudou-a a vestir o casaco do tailler e as longas luvas que cobriam seus pulsos. O pegou seu lenço de seda, sua bolsa e seu casaco de inverno. Os saltos de seus sapatos faziam menos barulho sobre o ladrilho do corredor do que os chinelos que usara. As portas estavam fechadas, o vestíbulo vazio. O segurava a mão de seu amante. O desconhecido que os acompanhava abriu as mesmas grades que Jeanne uma vez dissera serem do claustro e que não mais estavam guardadas por criados e por cães, puxou uma das cortinas de veludo verde, e deu-lhes passagem. A cortina fechou-se novamente. Ouviu-se a grade sendo fechada. Estavam sozinhos num outro vestíbulo que dava para um parque. Só faltava descer os degraus da escadaria diante da qual O reconheceu o carro. Sentou-se ao lado de seu amante que tomou o volante e partiu. Saíram do parque cujo portão encontrava-se totalmente aberto, e tendo rodado algumas centenas de metros, ele parou para beijá-la. Isso aconteceu um pouco antes de um tranquilo vilarejo por onde passaram em seguida. O pôde ler o nome da placa indicadora: Roissy


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