CAPITULO
1
OS AMANTES DE ROISSY
Um
dia, seu amante leva O para passear num bairro onde não costumam ir, o parque
Montsouris, o parque Monceau. Na esquina do parque, no canto de uma rua onde
nunca há ponto de táxis, depois de terem passeado pelo parque e sentado lado a
lado na relva, avistam um carro com taxímetro, parecendo um táxi.
"Entra", ele diz. Ela entra. É um fim de tarde de outono. Ela está
vestida como sempre: sapatos de saltos altos, um tailler de saia plissada, uma
blusa de seda e sem chapéu. Usa luvas longas que sobem até as mangas do
tailler, e na bolsa de couro leva seus documentos, o pó-de-arroz e seu ruge. O
táxi parte silenciosamente, sem que se tenha dito qualquer palavra ao
motorista. Mas ele fecha as cortinas sobre os vidros à direita, à esquerda e
atrás; pensando que quer beijá-la ou que quer que o acaricie, ela retirou as
luvas. Mas ele diz: "Você está atrapalhada, me dá a sua bolsa". Ao
recebe-la, ele a põe fora do seu alcance, e acrescenta: "Também está
vestida demais. Desabotoe a cinta-liga e enrole as meias acima dos joelhos:
toma estas ligas". É um pouco difícil, o táxi segue mais rápido, e ela tem
medo que o motorista olhe para trás. Finalmente as meias são enroladas e ela
sente-se constrangida ao sentir as pernas nuas e livres sob a seda da
combinação. A liga desabotoada escorrega. "Abre o cinto", ele diz,
"e tire as calcinhas". Isto é fácil, basta passar as mãos atrás das
costas e levantar-se um pouco. Ele pega das suas mãos o cinto e as calcinhas,
abre a bolsa e tendo-os guardado, diz: "Não deve sentar-se sobre a
combinação e a saia, deve levantá-las e sentar-se diretamente no banco". O
banco é de plástico liso e frio, sempre e O não ousa perguntar por que René não
se move e não diz mais nada, nem que significado pode ter para ele que ela
esteja ali, imóvel e muda, tão desnudada e tão oferta, com suas luvas, num
carro negro que não sabe para onde vai. Apesar de nada mais ordenar nem
proibir, ela não ousa cruzar as pernas ou aproximar os joelhos. Tem as mãos
enluvadas apoiadas, uma de cada lado, sobre o banco.
"Chegamos",
diz ele de repente. Chegaram: o táxi pára numa bela avenida, sob uma árvore -
são plátanos - diante de uma espécie de pequena mansão que se advinha entre o
pátio e o jardim, como as pequenas mansões do bairro de Saint-Germain. Os
postes de iluminação estão um pouco longe, no carro ainda está escuro e chove
lá fora. "Não se mexa", diz René; "não se mexa nem um
pouco". Estende a mão para a gola de sua blusa, desfaz o nó, depois os
botões. Ela inclina um pouco o busto, pensando que ele quer acariciar seus
seios. Não. Apalpa apenas para segurar e cortar com um pequeno canivete as alças
do sutiã, que retira. Agora, sob a blusa que ele novamente fechou, seus seios
estão livres e nus, como nus e livres estão os quadris e o ventre, da cintura
até os joelhos.
"Escuta",
diz ele. "Agora você está pronta. Deixo-a . Você vai descer e bater à
porta. Seguirá quem abrir e fará o que lhe for ordenado. Se não entrar
imediatamente, virão buscá-la e se não obedecer imediatamente, farão com que
obedeça. Sua bolsa? Não, você não precisa mais de sua bolsa. Agora você é
apenas a mulher que eu estou fornecendo. Sim, sim, vou estar aí. Vai".
Uma
outra versão do mesmo começo era mais brutal e mais simples: a jovem, vestida
da mesma maneira, era levada num carro por seu amante e por um amigo dele que
desconhecia. O desconhecido ia ao volante, o amante sentado ao seu lado; e era
o amigo, o desconhecido, quem falava, para explicar-lhe que seu amante estava
encarregado de prepará-la, que ia amarrar suas mãos às costas por cima das
luvas, desabotoar sua cinta-liga e enrolar suas meias; tirar seu cinto, suas calcinhas
e o sutiã, e vendar seus olhos; e que depois a entregariam no castelo, onde
seria progressivamente instruída sobre o que tinha que fazer. Com efeito, uma
vez despida e amarrada, depois de terem rodado por meia hora, ajudaram-na a
sair do carro, fizeram-na subir alguns degraus, e depois de ter passado por
algumas portas, sempre às cegas, deixaram-na sozinha numa sala escura,
retirando enfim sua venda. Esperou aí por meia hora, uma hora ou duas ; não
sei, mas que parecia um século. Mais tarde, quando final mente a porta se
abriu, e que a cenderam a luz, percebeu que tinha esperado num ambiente banal,
confortável, e , no entanto singular: um tapete espesso no chão, nenhum móvel,
e cheio de armários embutidos. Duas mulheres, jovens e bonitas, abriram a porta.
Vestiam-se como as belas servas do século dezoito. Longas saias leves e
bufantes escondiam seus pés, e os espartilhos apertados, enlaçados ou
grampeados na frente realçavam os seios, com rendas cobrindo o colo e mangas
semilongas. Tinham pintado os olhos e a boca. Em torno do pescoço usavam uma
gargantilha; nos punhos, braceletes apertados.
Sei
que nesse momento soltaram as mãos de O que ainda estavam amarradas às costas e
disseram-lhe para despir-se, pois iam banhá-la e maquiá-la. Deixando-a nua,
guardaram suas roupas num dos armários. Não a deixaram tomar banho sozinha, e
pentearam-na como no cabeleireiro, fazendo-a sentar-se numa dessas grandes
poltronas que se inclinam quando se lava a cabeça e novamente se endireitam sob
o secador, depois do mise-en-plis. Isso tudo costuma durar pelo menos uma hora.
Durou mais do que uma hora, na verdade, mas estava sentada nua nessa poltrona e
proibida de cruzar as pernas ou de aproximar os joelhos. E como havia um grande
espelho à sua frente, de alto a baixo da parede que nenhuma mesinha
interrompia, via-se assim aberta, sempre que seu olhar encontrava o espelho.
Quando ficou pronta e maquilada, as pálpebras ligeiramente sombreadas, a boca
muito vermelha, o bico e a auréola dos seios e a borda dos lábios do ventre rosados,
os pelos das axilas e do púbis, o sulco entre as coxas, sob os seios, e as
palmas das mãos longamente perfumados, fizeram-na entrar na sala onde um
espelho de três faces e um quarto espelho na parede permitiam que se visse bem.
Foi-lhe dito para sentar-se no tamborete no meio dos espelhos, e esperar. A
pele negra que cobria o tamborete picava um pouco; o tapete era negro, as
paredes vermelhas; assim como as sandálias que vestiam seus pés. Numa das
paredes, uma grande janela dava para um belo parque sombrio. Tinha parado de
chover, as árvores se moviam ao vento, a lua corria alto entre as nuvens. Não
sei por quanto tempo ficou na sala vermelha, nem se estava realmente sozinha
como pensava, ou se alguém a espreitava por uma abertura camuflada na parede.
Só sei que, quando as duas mulheres voltaram, uma trazia uma fita métrica e a
outra, uma cesta. Vinham acompanhadas de um homem vestido com uma longa túnica
violeta, de mangas justas nos punhos e largas nas cavas, e que, ao caminhar,
abria-se, até a cintura. Sob a túnica, via-se uma espécie de malha colante que
cobria suas pernas e suas coxas, mas que lhe deixava à mostra o sexo. Ao seu
primeiro passo, o que O viu imediatamente foi o sexo; em seguida, o chicote de
tiras de couro em torno da cintura; depois, que estava mascarado por um capuz
negro, que até os olhos dissimulava, com uma rede de tule negro - e,
finalmente, as mãos, vestidas com luvas negras, de fina pelica. Tratando-a com
intimidade, o homem ordenou-lhe que não se mexesse, e às mulheres que se
apressassem. A que tinha a fita métrica tomou, então, as medidas do pescoço e
dos pulsos de O. Eram medidas comuns, embora pequenas. Não foi difícil
encontrar, na cesta que a outra segurava, o colar e os braceletes que lhes
correspondiam. Eram feitos em várias camadas de couro (cada camada, bem fina,
não ultrapassava a largura de um dedo) e fechados por um sistema de pressão,
que funcionava automaticamente como um cadeado, só podendo se abrir com uma
pequena chave. Na parte exatamente oposta à fechadura, no meio das camadas de
couro, e quase sem molejo, havia um anel de metal que se prendia ao bracelete
caso se quisesse fixá-lo, pois era apertado demais, assim como o colar, embora
fossem suficientemente flexíveis para não machucar e ao mesmo tempo para impedir
que por aí pudesse se introduzir qualquer coisa, mesmo que fina. Quando o colar
e os braceletes foram fixados no seu pescoço e nos pulsos, o homem mandou que
se levantasse. Sentando-se então no seu lugar, no tamborete de pele,
aproximou-a de seus joelhos, passou a mão enluvada entre suas coxas e sobre
seus seios e explicou-lhe que seria apresentada naquela mesma noite, depois do
jantar, que deveria fazer sozinha. Com efeito, jantou sozinha, sempre nua, numa
espécie de cabine onde uma mão invisível lhe passava os pratos através de uma
abertura....
Tendo
terminado o jantar, as mulheres voltaram para buscá-la. Já no quarto de vestir,
as duas juntas fixaram os anéis dos braceletes às suas costas e puseram-lhe aos
ombros, presa ao colar, uma longa capa vermelha que a cobria inteiramente, mas
que se abria ao andar, pois não podia segurá-la tendo as mãos atadas às costas.
Uma das mulheres caminhava na frente abrindo as portas, a outra vinha em
seguida, fechando-as. Atravessaram um vestíbulo, dois salões, e entraram na
biblioteca, onde quatro homens tomavam café. Vestiam túnicas longas como o
primeiro, mas não usavam máscaras. O não teve tempo, entretanto, de ver seus
rostos, para saber se seu amante estava entre eles (estava), pois um dos quatro
dirigiu uma lâmpada em sua direção, que a cegou. Ficaram todos olhando para
ela, imóveis: as duas mulheres, uma de cada lado, e os homens à sua frente.
Depois, apagaram a lâmpada, as mulheres partiram e novamente colocaram a venda
nos seus olhos. Foi então conduzida, vacilante, e ela sentiu que estava em
frente à lareira, ao redor da qual os quatro homens tinham se sentado. O sentia
o calor e escutava o crepitar suave das achas ardendo em silêncio. Estava
voltada para o fogo. Duas mãos retiravam sua capa, enquanto duas outras desciam
ao longo de seus quadris, depois de terem verificado o fecho dos braceletes;
não usavam luvas, e uma delas penetrou-a nos dois lados ao mesmo tempo, tão
bruscamente que ela gritou. Alguém riu. Outro disse: "Virem-na para que
vejamos os seios e o ventre". Fizeram-na virar-se e o calor do fogo ficou
às suas costas. Uma mão agarrou-lhe um seio, uma boca tomou o bico do outro.
Mas, perdendo subitamente o equilíbrio, O caiu para trás; amparada, por que
braços? Já abriam suas pernas, apartando suavemente os lábios: cabelos roçaram
o interior de suas coxas. Ouviu alguém dizer que era preciso pô-la de joelhos,
o que foi feito. Sentia-se desconfortável nessa posição, tanto mais que não lhe
permitiam fechar os joelhos e que suas mãos, amarradas às costas, mantinham-na
inclinada para frente. Permitiram-lhe então curvar-se um pouco para trás, meio
sentada nos calcanhares, como costumam fazer as religiosas.
“Você
nunca a amarrou?”
“Não,
nunca.”
“Nem
a chicoteou?”
“Também
não, mas justamente ...”
Era
seu amante quem respondia.
“Justamente
amarrá-la algumas vezes, chicoteá-la um pouco, e permitir que tome gosto nisso,
não. É preciso ultrapassar o momento do prazer, para se obterem as lágrimas.”
Fizeram
então com que O se levantasse, e estavam para desamarrá-la, sem dúvida para
prendê-la a alguma coluna ou à parede, quando alguém declarou que queria
possuí-la antes, e imediatamente -- e assim, foi novamente colocada de joelhos,
desta vez com o busto apoiado num tamborete, com as mãos sempre amarradas às
costas, e os quadris mais altos do que o torso; e um dos homens, segurando com
as duas mãos seus quadris, penetrou no seu ventre. Cedeu lugar a um segundo; o
terceiro, procurou uma passagem mais estreita, e forçando-a bruscamente, fez
com que gritasse. Quando a largou, gemendo e suja de lágrimas sob a venda, O
caiu; foi para sentir uns joelhos contra seu rosto, e perceber que sua boca não
seria poupada. Deixaram-na, finalmente, de bruços, cativa nos seus ouripéis
vermelhos, diante do fogo. Ela escutou que os copos novamente se enchiam, que
bebiam, que as cadeiras eram movidas. Mais madeira era colocada no fogo. De
repente, tiraram a sua venda. A peça, grande, com livros pelas paredes, era debilmente
iluminada por uma lâmpada sobre o console e pela claridade do fogo que se
reanimava. Dois dos homens estavam de pé, fumando; um outro, sentado, tinha um
chicote sobre os joelhos; e o que se inclinava para ela, acariciando-lhe o
seio, era o seu amante. Mas os quatro a tinham possuído e ela não o havia
distinguido dos demais.
Foi-lhe
explicado que, enquanto permanecesse no castelo, seria sempre assim: veria o
rosto daqueles que a violariam e atormentariam, mas nunca à noite, e jamais
saberia quem eram os responsáveis pelo pior. O mesmo aconteceria quando fosse
chicoteada, a menos que se quisesse que ela se visse sendo chicoteada; nesse
caso, não usaria a venda numa primeira vez, mas eles colocariam suas máscaras,
para que não pudesse distinguí-los. Seu amante levantou-a, colocando-a sentada
em sua capa vermelha, no braço de uma poltrona junto à lareira para que
escutasse o que tinham a lhe dizer e visse o que queriam lhe mostrar.
Continuava
com as mãos amarradas às costas. Foi-lhe então mostrado o chicote que era
negro, longo e fino, de um bambu estreito e coberto de couro, como os que se
vêem nas vitrines das grandes lojas de arreios. O chicote de couro que o
primeiro homem que vira trazia no cinto era longo, feito de seis tiras
terminadas por um nó. Havia um terceiro chicote de cordas bastante finas que
terminavam em vários nós, duros como se tivessem sido mergulhados na água, o
que realmente fora feito, como pôde constatar quando o passaram sobre seu
ventre e afastaram suas coxas para que pudesse sentir melhor as cordas úmidas e
frias sobre a pele delicada do interior. Sobre o console, ficaram as chaves e
as pequenas correntes de ferro. Numa das paredes, uma barra apoiava-se em dois
pilares, numa altura média; num deles havia um gancho, pregado numa altura que
um homem podia alcançar na ponta dos pés e com o braço esticado. Enquanto seu
amante a tomava nos braços, com uma mão em seus ombros e a outra, como para
fazê-la desfalecer, no fundo de seu ventre, queimando-a, disseram-lhe que iam
desamar rar suas mãos, apenas para prendê-la, pelos mesmos braceletes e uma das
pequenas correntes de ferro, a esta barra e que, com exceção das mãos que
ficariam amarradas um pouco acima da cabeça, poderia se mexer e ver os golpes
chegarem. Que no começo seria chicoteada apenas nos quadris e nas coxas, enfim,
da cintura até os joelhos, como lhe tinham preparado no carro que a trouxera,
no momento em que a fizeram sentar-se nua sobre o banco. Um dos quatro homens
presentes, entretanto, provavelmente iria querer marcar suas coxas com a
chibata, que deixa belas riscas, longas, profundas e que duram muito tempo. Nem
tudo lhe seria infligido de uma só vez; teria tempo para gritar, debater-se e
chorar. Deixá-la-iam respirar, mas assim que tivesse recuperado o fôlego recomeçariam,
julgando o resultado não por seus gritos ou por suas lágrimas, mas pelos
sinais, mais ou menos vivos ou duradouros, que os chicotes deixariam na sua
pele. Observaram que esta maneira de julgar a eficácia do chicote, além de ser
justa, e de tornar inúteis as tentativas que faziam as vítimas de despertar a
piedade exagerando os gemidos, ainda permitia que fosse aplicado fora das
paredes do castelo, ao ar livre do parque, como acontecia frequentemente, ou
mesmo em algum apartamento ou num quarto de hotel, com a condição, é claro, de
se usar uma mordaça (como lhe mostraram em seguida) que só deixe em liberdade
as lágrimas, que abafe todos os gritos e que permita apenas alguns gemidos.
Não
pretendiam usá-la aquela noite, muito pelo contrário. Queriam ouvir O gritar
imediatamente. O orgulho que fazia com que resistisse e se calasse não durou
muito: logo ouviram-na suplicar para que a desamarrassem, para que parassem um
instante, um só. Contorcia-se com tal frenesi para escapar às mordidas das
correias, que chegava a rodopiar em torno de si mesma diante do poste, e como a
corrente que a prendia era longa e um pouco frouxa, embora sólida, também o
ventre, a frente e os lados das coxas recebiam sua parte, quase tanto quanto os
quadris. Com efeito, depois de terem parado um instante, decidiram só recomeçar
uma vez tendo-se passado uma corda em torno de sua cintura e do poste. Como foi
bem amarrada, para que o corpo ficasse mais fixo ao poste, o tronco
necessariamente inclinou-se para um lado, destacando as nádegas do outro lado.
A partir desse momento, os golpes só se perdiam deliberadamente. Considerando o
modo como seu amante a entregara, O poderia imaginar que apelar para sua
piedade era a melhor maneira para que redobrasse sua crueldade, tanto prazer encontrava
em arrancar-lhe ou em fazer com que lhe arrancassem estes testemunhos
indubitáveis do seu poder. E efetivamente foi ele quem observou que o chicote
de couro, sob o qual O gemera primeiro, marcava muito menos (o que quase se
podia obter com a corda molhada do outro chicote, e no primeiro golpe com a
chibata) permitindo, assim, aumentar a duração da pena e recomeçar quase no
instante em que viesse à fantasia. Pediu que só se usasse este. Enquanto isso,
um dos quatro, que só amava as mulheres no que elas têm em comum com os homens,
atraído por estas nádegas ofertas que abaixo da cintura esticavam-se sob a
corda e que, ao quererem esquivar-se, mais se ofereciam, pediu uma pausa para
aproveitar-se disso e, apartando-as, ardentes sob suas mãos, penetrou-a com
dificuldade, observando que era necessário tornar essa passagem mais cômoda.
Concluiu-se que isto era possível e que seriam tomadas as providências
necessárias.
Depois
de desamarrarem a jovem, cambaleante e quase desmaiada sob a capa vermelha, sentaram-na
numa grande poltrona junto ao fogo para que, antes de ser levada à cela que
devia ocupar, lhe fossem fornecidos os detalhes das regras que teria que
observar no castelo durante o tempo em que permanecesse aí, e na vida normal,
depois que o tivesse deixado (sem que isso significasse sua liberdade de
volta). Bateram à porta. As duas mulheres que a tinham recebido traziam as
roupas que vestiria durante sua estada, e com as quais deveria ser reconhecida
por aqueles que tinham sido hóspedes do castelo antes da sua chegada ou que o
seriam depois de sua partida. As roupas eram semelhantes às delas: sobre a
anágua de cambraia engomada, um vestido longo de saia ampla, e com um corpete
que deixava os seios, levantados pelo espartilho, quase descobertos, apenas
velados pela renda. A anágua era branca, o espartilho e o vestido eram de cetim
verde-água, e a renda, também branca. Quando O ficou pronta e voltou à sua
poltrona perto do fogo, ainda mais pálida com seu vestido em tom pastel, as
duas mulheres que tinham permanecido em silêncio, saíram. Um dos quatro homens
segurou uma delas na saída, fazendo sinal à outra para que esperasse e,
conduzindo-a até O, fez com que se virasse, segurando-a pela cintura com uma
das mãos e com a outra levantando a saia para mostrar, disse-lhe, o porquê
deste traje, e como podia ser reduzido, mantendo-se a saia levantada apenas com
o cinto tanto quanto se quisesse, o que deixava à disposição, de um modo
prático, o que assim se descobria. Aliás, frequentemente fazia-se circular pelo
castelo ou pelo parque mulheres com as saias arregaçadas desta maneira, ou pela
frente, sempre até a cintura. Fizeram com que a mulher mostrasse a O como
deveria manter sua saia: levantada em várias voltas, presa no cinto bem na
frente para deixar livre o ventre, ou bem no meio das costas para liberar as
nádegas. Em ambos os casos, a anágua e a saia caíam em grandes pregas diagonais
misturadas em cascata. Assim como O, a jovem mostrava, nos quadris, marcas
frescas de chibata. Finalmente saiu.
Este
é o discurso que em seguida dirigiram a O: "Você está aqui a serviço de
seus senhores. Durante o dia, fará o trabalho que lhe confiarem para a
manutenção da casa, como varrer, arrumar os livros, dispor as flores ou servir
à mesa. Não há serviços mais pesados. Mas deve abandonar imediatamente o que
estiver fazendo, à primeira palavra ou ao primeiro sinal de quem lhe ordenar,
pelo seu único serviço verdadeiro, que é o de entregar-se. Suas mãos não são
suas, nem seus seios, nem particularmente nenhum dos orifícios de seu corpo,
que podemos esquadrinhar e nos quais podemos penetrar à vontade. Como um sinal,
para que esteja sempre presente ao seu espírito, ou o mais presente possível,
de que perdeu o direito de se esquivar, diante de nós nunca deverá fechar totalmente
os lábios, nem cruzar as pernas ou aproximar os joelhos (como viu que lhe
proibiram assim que chegou). Isso significará, aos seus próprios olhos e aos
nossos, que a sua boca, o seu ventre e os seus quadris estão abertos para nós.
Diante de nós, nunca tocará seus seios: eles são alteados pelo espartilho para
nos pertencerem. Durante o dia, portanto, deverá ficar vestida, mas levantará a
saia sempre que alguém lhe ordenar, e quem quiser poderá utilizá-la com o rosto
descoberto _ e como quiser -- com restrição entretanto do chicote.
Este
só lhe será aplicado entre o poente e o nascer do sol. Mas além da aplicação
que será feita por quem desejar, poderá ser também punida com o chicote à
noite, por ter faltado a alguma regra durante o dia: seja por não ter tido
suficiente complacência, ou por ter levantado os olhos para quem vier falar-lhe
ou possuí-la: nunca deve olhar-nos no rosto. Neste traje que usamos a noite, e
que estou usando agora, se deixamos o sexo descoberto, não é pela comodidade
que também se poderia obter de outro modo, é pela insolência, para que seus
olhos se fixem nele e não se fixem em mais nada; é para que aprenda que este é
o seu senhor, a quem seus lábios foram destinados em primeiro lugar. Durante o
dia, quando estamos vestidos normalmente e você como agora, deverá observar as
mesmas regras, e se for requisitada, terá apenas o trabalho de abrir suas
roupas, que fechará quando tivermos acabado. Em compensação, à noite, só terá
seus lábios e a abertura de suas coxas para nos homenagear, pois suas mãos
serão amarradas às costas e estará nua como foi-nos trazida há pouco; só terá
seus olhos vendados quando quisermos maltratá-la, e agora que já viu como a
chicoteamos, quando for chicoteada. A este respeito, como é conveniente que se
acostume a receber o chicote, será chicoteada todos os dias enquanto estiver
aqui, não tanto pelo nosso prazer, como para sua instrução. Isto é tão
verdadeiro, que nas noites em que ninguém a quiser, pode esperar que o criado
encarregado desta função venha, na solidão da sua cela, aplicar-lhe o que deve
receber e que não estejamos com vontade de aplicar. Com efeito, por este meio,
assim como pela corrente que será fixada ao anel do seu colar e que deverá
prendê-la na cama mais ou menos estreitamente durante várias horas por dia,
trata-se muito menos de fazê-la sentir dor, gritar ou derramar lágrimas, do que
fazê-la sentir, por meio desta dor, que está sob coação, de mostrar-lhe que se
encontra inteiramente devotada a algo fora de você. Quando sair daqui, usará um
anel de ferro no anular, que fará com que seja reconhecida. Nessa ocasião já
terá aprendido a obedecer àqueles que estarão usando este mesmo sinal -- ao
vê-lo, saberão que você está constantemente nua sob a saia, por mais correta e
banal que seja sua roupa e que é para eles que está assim. Os que a acharem
indócil, deverão trazê-la aqui, onde será conduzida à sua cela."
Enquanto
falavam com O, as duas mulheres que tinham vindo vesti-la mantinham-se de pé
dos dois lados do poste onde a tinham chicoteado, mas sem tocá-lo, como se ele
as amedrontasse, ou como se lhes tivesse sido proibido (o que era mais
provável). Quando o homem acabou, aproximaram-se de O, que compreendeu que
devia levantar-se para segui-las. Levantou-se portanto, segurando as saias com
um braço para não tropeçar, pois não estava acostumada a usar vestidos longos e
não se sentia segura sobre os chinelos de solas elevadas e de saltos muito
altos, que só uma faixa de cetim grosso, do mesmo verde que o vestido, impedia
de escapar do pé. Ao abaixar-se, virou a cabeça. As mulheres esperavam, os
homens não a olhavam mais. Seu amante, sentado no chão, encostado ao tamborete
onde a tinham derrubado no começo da noite, com os joelhos levantados e os
cotovelos sobre os joelhos, brincava com o chicote de couro. Ao primeiro passo
que deu para alcançar as mulheres sua saia o roçou. Ele levantou a cabeça,
sorriu, e chamando-a por seu nome, pôs-se de pé por sua vez. Acariciou
suavemente seus cabelos, alisou suas sobrancelhas com a ponta do dedo e
beijou-a docemente nos lábios. Disse alto que a amava. O, trêmula, percebeu com
terror que lhe respondia "eu o amo" e que era verdade. Ele a tomou
nos braços, dizendo "minha querida, meu coração", e beijando seu
pescoço e seu rosto; O descansou a cabeça em seu ombro coberto pela roupa
violeta...
Ele
repetiu, dessa vez num sussurro, que a amava, e mais baixo ainda disse:
"Fique de joelhos, acaricie-me, beije-me" e, empurrando-a, fez sinal
às mulheres para se afastarem, encostando-se no console. Ele era grande, mas o
console não era muito alto, e suas longas pernas, cobertas com o mesmo violeta
de sua roupa, dobravam-se. A túnica aberta estendia-se por baixo como uma
tapeçaria e a saliência do console alteava um pouco o sexo pesado e os pêlos
claros que o coroavam. Os três homens aproximaram-se. O pôs-se de joelhos no
tapete, seu vestido verde como uma corola ao seu redor. O espartilho a
apertava, seus seios, cujas pontas se podia ver, ficavam à altura dos joelhos
de seu amante. "Um pouco mais de luz", disse um dos homens. Quando
finalmente o raio da lâmpada foi dirigido de modo a que a claridade caísse
totalmente sobre seu sexo, sobre o rosto de sua amante que se encontrava bem
perto, e sobre suas mãos que o acariciavam por baixo, René ordenou subitamente:
"Repete: eu o amo". O repetiu "eu o amo" com tal delícia
que seus lábios mal ousavam roçar a ponta do sexo, ainda protegido pela pele
macia. Os três homens, fumando, comentavam seus gestos, o movimento de sua boca
fechada e apertada sobre o sexo, ao longo do qual subia e descia, o rosto
desfeito que se inundava de lágrimas cada vez que o membro inchado batia no
fundo de sua garganta, empurrando sua língua e arrancando-lhe ânsias. Foi com a
boca semi-amordaçada pela carne endurecida que a enchia qu e murmurou ainda:
"eu o amo". As duas mulheres colocaram-se à direita e à esquerda de
René, que se apoiava em seus ombros com os braços. O ouvia os comentários das
testemunhas mas, além de suas palavras, espreitava os gemidos de seu amante,
atenta em acariciá-lo com um respeito infinito e com a lentidão que sabia
agradar-lhe. Sentia que sua boca era bela, pois seu amante condescendia em
penetrá-la, pois condescendia em oferecer suas carícias como espetáculo, pois
condescendia, enfim, em gozar nela. Recebeu-o como se recebe um deus, ouviu-o
gritar, ouviu os outros rirem e, então, desabou com o rosto no chão. As duas
mulheres a levantaram, e desta vez levaram-na para fora.
Suas
sandálias faziam ruídos nos ladrilhos vermelhos dos corredores, onde se
sucediam portas discretas e limpas, com minúsculas fechaduras, como as portas
dos quartos dos grandes hotéis. O não ousava perguntar se esses quartos eram
habitados, e por quem, quando uma de suas companheiras, cuja voz ainda não
tinha ouvido disse: "Esta é a ala vermelha, e o seu criado chama-se
Pierre". "Que criado?" _ perguntou O, tocada pela doçura da voz
_ "e como você se chama?" "Eu me chamo Andreé." "E eu,
Jeanne", disse a segunda. A primeira voltou a falar: "Pierre é o
criado que tem as chaves, que deverá amarrá-la, desamarrá-la e chicoteá-la
quando for punida ou quando não tiverem tempo para você". "Estive na
ala vermelha no ano passado", disse Jeanne. "Ele já estava aí. Vinha
sempre à noite; os criados têm as chaves e nos
quartos
que fazem parte da sua seção, têm direito de servir-se de nós."
O
ia perguntar como era esse Pierre mas não teve tempo. Numa curva do corredor
fizeram-na parar diante de uma porta que em nada se distinguia das outras; e,
sentado num banquinho entre esta porta e a seguinte, avistou uma espécie de
camponês avermelhado, rechonchudo, com a cabeça quase toda raspada, pequenos e
fundos olhos negros e rolinhos de gordura na nuca. Vestia-se como um criado de
opereta: camisa de peitilho de rendas, colete negro e uma casaca vermelha. Suas
calças eram negras, as meias brancas e as sapatilhas envernizadas. À cintura
também trazia um chicote de tiras de couro. Suas mãos eram cobertas de pelos
ruivos. Tirando uma chave do bolso do colete, abriu a porta e fez as três
mulheres entrarem, dizendo: "Vou fechar, chamem quando tiverem
terminado".
A
cela era bem pequena e na realidade comportava duas peças. Fechada a porta,
encontraram-se num vestíbulo que dava para a cela propriamente dita; na mesma
parede havia outra porta abrindo para o banheiro; e, na frente das portas, uma
janela. Na parede da esquerda, entre as portas e a janela, apoiava-se a
cabeceira de uma grande cama quadrada, baixa e coberta de peles. Não havia
outros móveis nem espelho. As paredes eram de um vermelho muito vivo e o
tapete, negro. Andreé mostrou-lhe que a cama, na verdade, era uma plataforma
acolchoada, coberta com um tecido negro de pelos muito longos que imitava uma
pele. O travesseiro, do mesmo material, era achatado e duro como o colchão,
assim como a coberta de face dupla. O único objeto que havia na parede
encontrava-se, com relação à cama, mais ou menos à mesma altura em que se
encontrava o gancho fixado ao poste, com relação ao chão da biblioteca: era uma
grande argola de ferro que ficava pendurada sobre a cama. Seus anéis amontoados
formavam uma pequena pilha e a outra extremidade prendia-se, à altura da mão, a
um gancho fechado por um cadeado, como um cortinado que se tivesse puxado e
segurado com um braço.
“Temos
que lhe dar um banho, vou ajudá-la a tirar o vestido”, disse Jeanne.
As
únicas características particulares deste banheiro eram o assento à turca, no
ângulo mais próximo da porta, e as paredes totalmente revestidas de espelhos.
Andreé e Jeanne só deixaram O entrar quando já estava nua; guardaram seu
vestido no armário perto do lavabo onde já se encontravam seus chinelos e sua
capa vermelha, e entraram com ela, de modo que quando teve que se acocorar
sobre o pedestal de porcelana encontrou-se, no meio de tantos reflexos, tão
exposta quanto na biblioteca, quando mãos desconhecidas a violentavam.
"Quando
Pierre vier, você vai ver."
"Por
que Pierre"
"Quando
vier acorrentá-la, provavelmente vai querer que fique aí de cócoras"
O
sentiu que empalidecia.
"Mas
por quê?"
"Será
obrigada, mas você tem sorte"
"Por
que sorte?"
"Foi
seu amante quem a trouxe?"
"Sim"
"Serão
muito mais duros com você"
"Não
compreendo..."
"Compreenderá
logo. Vou chamar Pierre. Viremos buscá-la amanhã de manhã."
Andrée
sorriu ao sair e Jeanne, antes de segui-la, acariciou o bico de seus seios,
deixando-a parada ao pé da cama, perturbada. Estava nua, vestindo apenas o
colar e os braceletes de couro que a água do banho tinha endurecido,
tornando-os mais apertados. _ "Então, bela dama", disse o criado
entrando. E, segurando suas mãos, fez com que os anéis dos seus braceletes
escorregassem um no outro, o que uniu seus punhos estreitamente e prendeu estes
dois anéis ao anel do colar. Encontrou-se portanto com as mãos unidas à altura
do pescoço, como em prece. Em seguida acorrentou-a à parede com a corrente que
repousava sobre o leito e passava pelo anel mais acima. Para encurtá-la, abriu
o gancho que fixava sua outra extremidade, e puxou-o. O foi obrigada a
aproximar-se da cabeceira da cama, onde ele a fez deitar-se. A corrente
tilintava no anel e ficou tão esticada que a jovem só podia se movimentar na
largura da cama ou ficar de pé junto à cabeceira. Como a corrente puxava o colar
pelo lado mais curto, ou seja, para trás, e como as mãos a traziam para a
frente, estabeleceu-se um equilíbrio: as mãos ficaram juntas sob o ombro
esquerdo, para o qual a cabeça também se inclinou. O criado puxou sobre O a
coberta negra, mas só depois de ter dobrado suas pernas até o peito para
examinar entre suas coxas. Não mais a tocou, não disse uma palavra, desligou o
interruptor de luz entre as duas portas e saiu.
Deitada
do lado esquerdo, e sozinha no escuro e no silêncio, quente no seu acolchoado
de peles e imobilizada à força, O perguntava-se por que tanta doçura
misturava-se nela ao terror, ou por que o terror lhe era tão doce. Percebeu que
uma das coisas mais dolorosas para ela era ter-lhe sido retirado o uso de suas
mãos. Não que suas mãos pudessem defendê-la (e desejava defender-se?), mas
livres, teriam esboçado o gesto, tentado rechaçar as mãos que se apoderavam
dela, a carne que a atravessava, e teriam se colocado entre os quadris e o
chicote. Tinham-na liberado de suas mãos: seu próprio corpo era-lhe inacessível
sob as cobertas. Como era estranho não poder tocar seus próprios joelhos ou o
seu ventre! Era-lhe proibido tocar os lábios entre as pernas, que a queimavam,
talvez porque sabia-os abertos a quem quisesse: ao criado Pierre, por exemplo,
se ele quisesse entrar. Admirava-se de que a lembrança do chicote a deixasse
tão serena, quando o pensamento de que, sem dúvida, jamais saberia qual dos
quatro homens por duas vezes tinha penetrado entre suas nádegas e que talvez
fosse o seu amante, deixava-a tão transtornada. Escorregou um pouco sobre o
ventre, lembrando como seu amante amava o sulco de suas nádegas e que, no
entanto, com exceção desta noite (se tivesse sido ele), nunca possuíra. Desejou
que tivesse sido ele; poderia lhe perguntar? Ah! Nunca! Reviu a mão que no
carro tirara sua cinta-liga e suas calcinhas entregando-lhes as ligas para que
enrolasse as meias acima dos joelhos. A imagem foi tão viva que se esqueceu de
que tinha as mãos amarradas e fez com que a corrente que as prendia rangesse. E
se era tão leve a lembrança do suplício, por que a simples ideia, a simples
menção, a simples visão do chicote faziam com que seu coração batesse forte e
seus olhos se fechassem de pavor? Não ficou muito tempo considerando se era
apenas pavor, pois foi tomada de pânico: iriam puxar a corrente para pô-la de
pé sobre a cama e a chicoteariam com o ventre colado à parede; e a
chicoteariam, chicoteariam; a palavra rodopiava na sua cabeça. Pierre viria
chicoteá-la, dissera Jeanne. E ainda dissera mais: "você tem sorte, serão
muito mais duros com você": que tinha querido dizer? Não sentia nada, além
do colar, dos braceletes e da corrente, seu corpo partia à deriva; iria
compreender. Dormiu.
Nas
últimas horas da noite, quando ela é mais escura e mais fria, logo antes do
amanhecer, Pierre apareceu novamente. Acendeu a luz do banheiro deixando a
porta aberta, o que projetou um quadrado de claridade no meio da cama, no lugar
em que o corpo de O, delicado e encolhido, enchia um pouco a coberta, que ele
retirou em silêncio. Como O estivesse deitada para o lado esquerdo, com o rosto
voltado para a janela e os joelhos ligeiramente levantados, oferecia ao seu
olhar suas nádegas muito brancas sob o tecido negro da coberta. Então,
retirando o travesseiro de baixo da sua cabeça, Pierre disse-lhe polidamente:
"Poderia ficar de pé, por favor?", e quando O ficou de joelhos tendo
que agarrar-se à corrente para consegui-lo, ajudou-a segurando seus cotovelos
para que se levantasse completamente e se pusesse de frente para a parede. O
reflexo da luz sobre a cama negra iluminava seu corpo, mas não os gestos dele.
Adivinhou, entretanto, sem ter visto, que soltava a corrente do mosquete para
prendê-la a um outro elo, a fim de que ficasse bem esticada, e sentiu que se esticava.
Seus pés repousavam, nus, achatados sobre a cama. Também não viu que o que ele
trazia à cintura não era o chicote de couro e sim a chibata negra, semelhante
àquela com que lhe tinham batido apenas duas vezes, e quase de leve, quando se
encontrava presa ao poste. A mão esquerda de Pierre afirmou-se em sua cintura e
o colchão dobrou um pouco; apoiara nele o pé direito para conseguir um
equilíbrio melhor. Ao mesmo tempo em que ouviu um sibilo na penumbra, O sentiu
uma queimadura atroz percorrer seus quadris, e berrou. Pierre chicoteava-a com
toda a força. Não esperou que se calasse, e por quatro vezes recomeçou, tomando
o cuidado de açoitar sempre abaixo ou acima da vez anterior, para que as marcas
ficassem nítidas. Quando terminou, ela ainda gritava, as lágrimas escorrendo
pela boca aberta. "Pode se virar, por favor?", disse, e como,
atordoada, não lhe obedecia, segurou-a pelos quadris, sem largar a chibata,
cujo cabo roçou sua cintura; quando ficou de frente, recuando um pouco, com
toda a força desceu a chibata sobre suas coxas. Tudo isso durou cinco minutos.
Quando finalmente saiu, depois de ter apagado a luz e fechado a porta do
banheiro, O ainda gemia de dor, oscilando contra à parede na ponta da sua
corrente, na escuridão. Até calar-se e permanecer imóvel junto à parede, cujo
tecido brilhante era fresco à sua pele rasgada, passou-se todo o tempo que o
dia demorou para amanhecer. A grande janela para a qual, apoiada de lado,
estava virada, dava para o leste e, do teto ao chão, não tinha nenhuma cortina,
a não ser o drapeado de ambos os lados, do mesmo tecido vermelho que cobria a
parede, e que se desdobrava em pregas verticais presas em faixas. O assistiu
nascer uma lenta e pálida aurora que espalhava suas brumas sobre os tufos de
astérias junto à janela, libertando finalmente um álamo. De tempos em tempos
suas folhas amareladas caíam voltejando, embora não houvesse nenhum vento. Na
frente da janela, depois do arbusto de astérias malvas, via-se um gramado, e,
no fim do gramado, uma alameda. O dia estava totalmente claro, e há muito tempo
O já não se mexia. Um jardineiro apareceu na alameda empurrando um carrinho de
mão. Ouvia-se ranger a roda de ferro sobre o cascalho. Se tivesse se aproximado
para varrer as folhas caídas junto às astérias, a janela era tão grande e a
peça tão pequena e tão clara, que teria visto O acorrentada e nua e as marcas
da chibata nas suas coxas.
As
cicatrizes tinham inchado e formavam rolinhos estreitos, muito mais escuros que
o vermelho das paredes. Onde estaria dormindo seu amante, como gostava de
dormir nas manhãs calmas? Em seu quarto, em que cama? Saberia do suplício a que
a entregara? Teria sido ele quem o decidira? O pensava nos prisioneiros, como
os que se vêm nas gravuras dos livros de história, que também tinham sido
acorrentados e chicoteados há muitos anos ou séculos, e que tinham morrido. Não
desejou morrer, mas se o suplício era o preço a pagar para que seu amante
continuasse a amá-la, desejou apenas que ele ficasse contente por tê-lo
padecido e esperou, doce e calada, que a conduzissem para ele.
Nenhuma
mulher tinhas as chaves das portas ou das correntes, ou as dos braceletes e dos
colares, mas todos os homens possuíam, presas num anel, os três tipos de chaves
que, cada uma no seu gênero, abriam todas as portas, todos os cadeados, ou
todos os colares. Os criados também as possuíam, mas, pela manhã, os que tinham
estado de serviço à noite dormiam e era um dos senhores ou algum outro criado
que vinha abrir as fechaduras. O homem que entrou na cela estava vestido com um
blusão de couro, calças de montaria, e usava botas. O não o reconheceu.
Imediatamente, soltou a corrente da parede e ela pôde se deitar. Então, antes
de desamarrar-lhe os pulsos, passou a mão entre suas coxas, como tinha feito o
primeiro homem que vira na pequena sala vermelha, e que usava máscara e luvas.
O rosto deste era ossudo e magro, o olhar direto como se vê nos retratos dos
velhos huguenotes, e seus cabelos eram grisalhos. O aguentou seu olhar por um
tempo que lhe pareceu interminável e, bruscamente gelada, lembrou-se de que era
proibido olhar para os senhores acima da cintura. Fechou os olhos, mas já era
tarde demais e escutou-o rir e dizer enquanto libertava finalmente suas mãos:
"Anotem uma punição para depois do jantar". Falava com Andreé e
Jeanne que tinham entrado com ele e que esperavam, de pé, cada uma de um lado
da cama. Dito isto retirou-se. Andreé pegou o travesseiro que estava no chão e
a coberta que Pierre tinha puxado para o pé da cama quando viera chicotear O,
enquanto Jeanne trazia para a cabeceira uma mesa rolante que tinha sido
colocada no corredor e que continha café, leite, açúcar, pão, manteiga e
croissants.
"Coma
depressa, são nove horas; depois poderá dormir até meio-dia, e quando ouvir
tocar será o momento de aprontar-se para o almoço. Deverá tomar banho e
pentear-se e eu virei fazer sua maquilagem e apertar seu espartilho"
"Só
terá serviço à tarde", disse Jeanne; "na biblioteca, onde deverá
servir o café, os licores e manter o fogo na lareira"
"Mas,
e vocês?", disse O.
"Só
estamos encarregadas de você nas primeiras vinte e quatro horas de sua estada,
depois ficará sozinha e deverá tratar apenas com os homens. Não podemos falar
com você, nem você conosco."
"Fiquem",
disse O, "fiquem um pouco mais, e digam-me..."
Mas
não teve tempo de acabar a frase. A porta se abriu; era seu amante, e não
estava sozinho. Era seu amante vestido como quando saía da cama e acendia o
primeiro cigarro do dia: de pijama listrado e roupão de flanela azul, aquele
mesmo roupão acolchoado e forrado de seda que tinham escolhido juntos um ano
antes. E seus chinelos estavam gastos, precisava comprar outros. As mulheres
desapareceram sem outro ruído que o farfalhar da seda quando levantaram suas
saias (todas as saias arrastavam-se um pouco). Sobre o tapete não se escutavam
os chinelos. O, com uma xícara de café na mão esquerda e na outra um croissant,
sentada à beira da cama com uma perna pendurada e a outra dobrada, ficou
imóvel, com a xícara subitamente tremendo em sua mão, enquanto o croissant
caía.
"Pegue-o",
disse René. Foi sua primeira palavra. Pondo a xícara sobre a mesa, O pegou o
croissant caído e colocou-o ao lado da xícara. Uma migalha ficara no tapete,
junto ao seu pé descalço e René abaixou-se por sua vez, pegando-a. Depois,
sentou-se ao lado se O, derrubou-a na cama e a beijou. O perguntou-lhe se a
amava. "Ah! eu a amo", respondeu. Levantou-se e, fazendo com que
também levantasse, pousou docemente a palma fresca de sua mão e seus lábios ao
longo das cicatrizes. Como viera com seu amante, O não sabia se podia ou não
olhar o homem que entrara e, que por enquanto, dava-lhe as costas, fumando
perto da porta. O que aconteceu em seguida não aliviou seu sofrimento.
"Aproxime-se para que a vejamos", disse seu amante. E, conduzindo-a
para o pé da cama, comentou com seu companheiro que este tinha razão e
agradeceu-lhe acrescentando que era justo que a possuísse primeiro, se tivesse
esse desejo. O desconhecido, a quem não ousava olhar, depois de passar-lhe a
mão sobre seus seios e suas nádegas, pediu-lhe que abrisse as pernas.
"Obedeça", disse René; e manteve-se de pé, apoiada de costas nele
próprio, que também estava de pé, acariciando seu seio com uma mão enquanto com
a outra sustentava seu ombro. O desconhecido tinha se sentado na beira da cama
e, puxando-a pelos pelos, segurava e abria lentamente os lábios que protegiam a
cavidade do ventre. René, ao compreender o que se queria dela, empurrou-a para
a frente, para que ficasse mais ao alcance, e com o braço direito rodeou sua cintura
oferecendo uma maior firmeza. O percebeu imediatamente que não escaparia a esta
carícia que nunca aceitara sem se debater e ficar coberta de vergonha, da qual
sempre se esquivara o mais rápido possível, tão rápido que mal tinha tempo de
ser atingida, e que lhe parecia sacrílega porque parecia-lhe sacrílego que seu
amante estivesse a seus joelhos, quando ela é quem devia estar aos seus. Viu-se
perdida; pois gemeu quando os lábios estranhos que se apoiavam sobre o monte de
carne que sai da corola interior inflamaram-na subitamente, só a deixando para
que a ponta quente da língua a inflamasse mais ainda; e gemeu mais forte quando
os lábios recomeçaram. Sentiu que a ponta escondida se endurecia e se levantava
entre os dentes e os lábios que a uma longa mordida aspirava e não mais
largava, e sob a qual ofegava. Sentiu que ainda perdia o equilíbrio e
encontrou-se deitada de costas com a boca de René sobre sua boca; suas mãos
mantinham seus ombros pregados na cama, enquanto duas outras mãos, segurando-a
sob os joelhos, abriam e levantavam suas pernas. Suas próprias mãos que se
encontravam sob suas nádegas (pois no momento em que René a empurrara para o
desconhecido tinha amarrado seus pulsos juntando os anéis dos braceletes), suas
próprias mãos roçaram o sexo do homem que se acariciava no sulco de suas
nádegas, subia e ia bater no fundo de seu ventre. Ao primeiro golpe, gritou
como sob o chicote e novamente gritava a cada golpe até seu amante morder-lhe a
boca.
Arrancando-se
bruscamente, o homem finalmente deixou-a, e projetado ao chão como um raio,
também ele gritou. René desamarrou então as mãos de O, levantou-a e deitou- a
sob a coberta.
Num
relâmpago, O viu-se libertada, aniquilada, maldita. Tinha gemido sob os lábios
do estranho, como nunca seu amante a fizera gemer, tinha gritado sob o choque
do membro do estranho como nunca seu amante a fizera gritar. Estava profanada e
culpada. Seria justo que a abandonasse. Mas não, a porta se fechava e ele
ficava com ela, voltava, deitava-se junto a ela sob a coberta, penetrava no seu
ventre úmido e ardente e, mantendo-a assim abraçada, dizia-lhe: "Eu a amo.
Quando a entregar também aos criados, virei uma noite para fazê-la chicotear
até o sangue". O sol tinha atravessado a bruma e inundava o quarto. Mas só
foram despertados pela campainha do meio-dia.
Não
soube o que fazer. Seu amante estava ali, tão próximo, tão meigo e abandonado
como na cama do quarto de teto baixo onde costumava dormir ao seu lado, desde
que começaram a morar juntos. A sua era uma grande cama em acaju de colunas à
inglesa, mas sem baldaquim, sendo as colunas da cabeceira mais altas do que as
do pé. René sempre dormia à esquerda e quando acordava, mesmo que fosse no meio
da noite, estendia a mão para as suas pernas. Era por este motivo que ela só
usava camisolas e, se usava pijama, nunca punha as calças. Fez como de costume
e O, segurando essa mão, beijou-a sem ousar perguntar-lhe nada. Mas ele falou.
Segurando-a pelo colar, com dois dedos enfiados entre o couro e o pescoço,
falou-lhe que de agora em diante queria compartilhá-la com aqueles que
escolhesse e com aqueles que ele próprio não conhecia e que eram filiados à
sociedade do castelo, como tinha acontecido na noite anterior; que ela dependia
dele e só dele, mesmo se recebesse ordens de outros, estivesse ele presente ou
ausente, pois, em princípio, participava de qualquer coisa que se exigisse dela
ou que se lhe infligisse, e que era ele quem a possuía e quem usufruía dela
através daqueles em cujas mãos tinha sido entregue, simplesmente porque fora ele
quem a entregara. Devia ser-lhes submissa e recebê-los com o mesmo respeito com
que o recebia, como se fossem outras formas dele mesmo. Assim, iria possuí-la,
como um deus possui suas criaturas, das quais se apodera sob a máscara de um
monstro ou de um pássaro, do espírito invisível ou do êxtase. Não queria
separar-se dela. Quanto mais a entregava, mais sentia-se ligado a ela. O fato
de que a entregava era para ele uma prova, como devia ser também para ela, de
que lhe pertencia; só se dá aquilo que se possui. Dava-a, para retomá-la em
seguida, e retomá-la enriquecida aos seus olhos, como um objeto comum que
tivesse uma função divina e que, por causa dessa função, fosse consagrado. Há
muito tempo desejava prostituí-la e sentia com alegria que o prazer que experimentava
era maior do que tinha esperado e que, quanto mais fosse humilhada e
maltratada, mais se ligaria a ela, assim como ela a ele. Como ela o amava, só
podia amar o que vinha dele. O escutava e tremia de felicidade, pois ele a
amava; tremia e consentia. Sem dúvida René adivinhou, pois continuou:
"Como é fácil para você consentir, quero algo que lhe seja impossível
consentir, mesmo que consinta antes, mesmo que diga sim agora e que se imagine
capaz de submeter-se. Não poderá deixar de se revoltar. Sua submissão será
obtida apesar de você, não apenas pelo incomparável prazer que eu ou outros
encontrarão nisso, como para que tome consciência do que fizeram com
você". O ia responder que era sua escrava e que suportava com alegria essa
escravidão, mas ele a interrompeu: "Disseram-lhe ontem que enquanto
estivesse no castelo não deveria olhar para um homem no rosto, nem lhe falar. O
mesmo deve fazer comigo; deve apenas calar-se e obedecer. Amo- a. Levante-se.
De agora em diante só abrirá a boca na presença de um homem para gritar ou para
acariciar". O levantou-se. René continuou deitado. Ao tomar seu banho,
estremeceu quando mergulhou os quadris machucados na água quente e teve que
passar esponja sem esfregar para não despertar o ardor. Depois, penteou-se, pintou
a boca mas não os olhos, maquilou o rosto e sempre nua, mas de olhos baixos,
voltou para a cela. René olhava Jeanne que tinha entrado e que se encontrava de
pé à cabeceira da cama, também de olhos baixos e calada. Disse-lhe para vestir
O. Jeanne pegou o espartilho de cetim verde, a anágua branca, o vestido, os
chinelos verdes e, tendo abotoado o espartilho na frente, começou a apertar os
cordões às costas. O espartilho era longo e rígido, armado com duras
barbatanas, como no tempo das cinturas de vespa e possuía um porta-seios. À
medida que era apertado os seios subiam, apoiando-se na parte de baixo do
porta-seios e oferecendo mais ainda seus bicos. Enquanto isso, a cintura
estrangulada fazia saltar o ventre e as nádegas tornarem-se muito empinadas. O
estranho é que esta armadura era bastante confortável e, até certo ponto,
repousante. Tinha-se que ficar bem ereta mas, sem que se soubesse muito bem por
que, a menos que fosse por contraste, tornava mais sensível a liberdade, ou
melhor, a disponibilidade do que não comprimia. A saia longa e o corpete
decotado em trapézio da base do pescoço até os bicos dos seios e em toda a sua
amplitude, davam-lhe a impressão de que vestia menos uma proteção do que um
aparato de provocação, ou de apresentação. Quando Jeanne terminou de amarrar os
cordões com um nó duplo, O pegou sobre a cama o vestido, que era uma peça só, a
anágua, presa à saia como um forro removível e o corpete, cruzado na frente e
amarrado atrás, podendo acompanhar assim a linha mais ou menos fina do busto,
conforme se tivesse apertado mais ou menos o espartilho. Jeanne tinha apertado
bastante e O via-se no espelho do banheiro, pela porta aberta, franzina e
perdida no espesso cetim verde que caía em gomos sobre seus quadris, como se
fossem balaios. As duas mulheres estavam de pé, uma ao lado da outra. Jeanne
estendeu o braço para retificar uma dobra na manga do vestido verde e seus
seios moveram-se na renda que bordava seu corpete, seios que tinham o bico
comprido e a auréola escura. Seu vestido era de palha de seda amarela. René,
que tinha se aproximado das mulheres, disse a O: "Olhe". E a Jeanne:
"Levante o seu vestido". Levantando com ambas as mãos a seda
farfalhante e a cambraia que a forrava, ela descobriu o ventre dourado, as coxas
e os joelhos brilhantes e o triângulo negro bem delimitado. René colocou aí sua
mão, acariciando-o lentamente, enquanto com a outra mão libertava o bico de um
seio. "É para que você veja", disse a O. O via. Via seu rosto
irônico, mas atento, seus olhos que espreitavam a boca entreaberta de Jeanne e
seu pescoço inclinado que o colar de couro apertava. Que prazer podia lhe dar
que esta, ou qualquer outra, não lhe desse também? "Ainda não tinha
pensado nisto?", perguntou René. Não, não tinha pensado. Apoiara-se na parede
entre as duas portas, rígida, com os braços caídos. Não havia mais necessidade
de ordenar-lhe que se calasse. Como poderia falar? Talvez seu desespero o tenha
tocado, pois deixou Jeanne para tomá-la entre os braços, chamando-a de seu amor
e de sua vida e repetindo que a amava. A mão com que acariciava seu colo e seu
pescoço estava umedecida e com o odor de Jeanne. E daí? O desespero em que se
afogara retrocedeu; ele a amava, ah! Ele a amava! Era livre para procurar seu
prazer em Jeanne ou em outras, mas a amava. "Eu o amo", dizia O ao
seu ouvido, "eu o amo", tão baixo que ele mal podia ouvi-la. "Eu
o amo". Finalmente partiu, mas só quando a viu doce, com os olhos claros,
e feliz.
Jeanne
tomou O pela mão e conduziu-a para o corredor. Novamente ouviu-se o ruído de
seus chinelos nos ladrilhos e novamente encontraram um criado sentado numa
banqueta entre as portas. Vestia-se como Pierre, mas não era ele. Era grande,
seco, com pelos negros. Caminhando à sua frente, conduziu-as a um vestíbulo,
onde entraram. Diante de uma porta de ferro forjado que se destacava entre
grandes cortinas verdes, dois criados esperavam. Tinham cães brancos com
manchas vermelhas aos seus pés. "É o claustro", murmurou Jeanne. Mas
o criado que caminhava à frente ouviu-a e voltou-se. O viu com estupor que Jeanne
tornou-se muito pálida e, largando sua mão e seu vestido que segurava levemente
com a outra mão, caiu de joelhos sobre a laje negra. Os dois criados que se
encontravam perto da lareira começaram a rir. Um deles aproximou-se de O pedindo-lhe
que o seguisse, abriu uma porta na frente da que tinham acabado de passar, e
desapareceu. O ainda ouvia risadas e percebeu o som de passos. Depois a porta
fechou-se atrás dela e nunca, mas nunca, soube o que tinha acontecido; se
Jeanne tinha sido punida por ter falado, nem como, ou se tinha apenas cedido a
algum capricho do criado e atirando-se de joelhos tinha obedecido a alguma
regra, ou desejado e conseguido comovê-lo. Percebeu apenas, durante sua
primeira semana estada no castelo, que durou duas semanas, que embora a ordem
de silêncio fosse absoluta, era raro que durante as idas e vindas, ou durante
as refeições, não se tentasse infringi-la, particularmente durante o dia e só
na presença dos criados, como se as roupas dessem uma segurança que a nudez, as
correntes da noite e a presença dos senhores anulavam. Percebeu também que,
enquanto o menor gesto que pudesse parecer um atrevimento para com algum dos
senhores fosse naturalmente inconcebível, o mesmo não acontecia com relação aos
criados. Estes nunca davam uma ordem, embora a polidez de seus pedidos fosse
tão implacável quanto as ordens. Aparentemente tinham ordem para punir
imediatamente as infrações à regra, mesmo quando eram as únicas testemunhas.
Assim, em três ocasiões, uma vez no corredor que conduzia à ala vermelha e as
duas outras no refeitório onde acabavam de levá-la, O viu mulheres que tinham
sido surpreendidas falando, serem jogadas ao chão e chicoteadas. Era possível,
portanto, ser chicoteada em pleno dia, apesar do que lhe tinha sido dito na
primeira noite, como se o que acontecia com os criados não devesse contar, mas
ser deixado à sua decisão. O dia conferia ao traje dos criados um aspecto
estranho e ameaçador. Alguns usavam meias negras e, em vez da casaca vermelha e
do peitilho branco, vestiam uma camisa leve de seda vermelha franzida no
pescoço e com mangas amplas abotoadas nos punhos. Foi um desses criados que, no
oitavo dia, ao meio-dia, com o chicote já na mão, fez com que levantasse de seu
banquinho, ao lado de O, uma opulenta Madalena loira, com um colo de leite e de
rosas, que tinha lhe sorrido e dito algumas palavras, tão depressa que O não as
tinha compreendido. Antes mesmo que a tocasse, ela já se encontrava aos seus
joelhos, as mãos, tão brancas, procurando sob a seda negra o sexo ainda em
repouso, que libertava e aproximava de sua boca entreaberta. Não foi chicoteada
desta vez. E como neste momento ele fosse o único vigilante no refeitório e
como, à medida que recebia a carícia ele fosse fechando os olhos, as outras
mulheres aproveitaram para falar. Era possível, portanto, subornar os criados.
Mas para quê? Se havia uma regra à qual O se dobrava com mais dificuldade, e
finalmente nunca dobrou-se completamente, era a que proibia olhar os homens no
rosto - pelo fato de que também era aplicável aos criados. O sentia-se em
constante perigo, de tal modo que era devorada pela curiosidade pelos rostos e
efetivamente foi chicoteada por um ou outro quando o percebiam; não tanto, na
verdade (pois tomavam liberdades com a ordem, e talvez gostassem o suficiente
da fascinação que exerciam, para não se privarem por um rigor absoluto e eficaz
dos olhares que só deixavam seus olhos e sua boca para voltarem ao sexo, a seu
chicote, a suas mãos, e recomeçarem) mas certamente sempre que tinham vontade
de humilhá-la. Por mais cruelmente que a tivessem tratado quando decidiam
fazê-lo, nunca teve a coragem, ou a covardia, de atirar-se por si mesma aos
seus joelhos e, se às vezes suportou-os, nunca os solicitou. Quanto à regra do
silêncio, salvo com relação ao seu amante, era-lhe tão leve que nunca a
infringiu, respondendo por sinais quando alguma das moças aproveitava-se de um
momento de distração dos guardas para lhe falar. Essas coisas aconteciam
geralmente durante as refeições, que tinham lugar na sala para onde tinham-na
levado na ocasião em que o criado alto que as acompanhava voltara-se contra
Jeanne. As paredes do refeitório eram negras, assim como o piso e a mesa
comprida de vidro grosso, e cada moça tinha um banquinho redondo coberto de
couro negro onde se sentava. Para sentar-se, tinham que levantar a saia e,
nesse momento, O reencontrava, no contato com o couro liso e frio sob suas
coxas, aquele primeiro instante em que seu amante a fizera tirar as meias e a
calcinha e sentar-se dessa maneira no banco do carro. Inversamente, quando
deixou o castelo e, vestida como todo o mundo mas com as nádegas nuas sob o
tailler banal ou o vestido comum, teve que levantar a combinação e a saia cada
vez que se sentava ao lado de seu amante ou de algum outro, era o castelo que
reencontrava, os seios oferecidos nos espartilhos de seda, as mãos e as bocas
que tudo se permitiam e o terrível silêncio. Nada, entretanto, foi-lhe de tanto
socorro quanto este silêncio, quando não as correntes. As correntes e o silêncio,
que deveriam amarrá-la no fundo de si mesma, estrangulá-la, sufocá-la, ao
contrário, liberavam-na de si mesma. Que teria acontecido se a palavra lhe
tivesse sido concedida, se lhe tivesse sido deixada uma escolha quando seu
amante a prostituía diante dele? É verdade que durante os suplícios ela falava,
mas pode-se chamar palavras o que não passa de lamentos e gritos? Mesmo assim,
muitas vezes faziam-na calar-se, amordaçando-a. Sob os olhares, sob as mãos e
os sexos que a ultrajavam, sob os chicotes que a rasgavam, perdia-se numa
delirante ausência de si mesma que a entregava ao amor, aproximando-a talvez da
morte. Tornava-se qualquer uma, podia ser qualquer das moças, como elas abertas
e violentadas e que via abrirem e violentarem, pois via tudo isso, quando ela
própria não tinha que ajudar. No dia seguinte, que foi seu segundo dia, quando
ainda não tinham se passado vinte e quatro horas desde a sua chegada, foi,
portanto, conduzida à biblioteca para aí fazer o serviço do café e da lareira.
Acompanhava-a
Jeanne, que o criado de pelos negros tinha trazido de volta, e uma outra moça
que se chamava Monique. Foi o mesmo criado quem as trouxe, permanecendo de pé
no recinto, junto ao poste onde O tinha sido amarrada. A biblioteca ainda
estava deserta. As portas e janelas davam para oeste, e o sol do outono, que
lentamente girava num céu tranquilo e com poucas nuvens, iluminava, sobre uma
cômoda, um grande ramo de crisântemos cor de enxofre que cheiravam a terra e a
folhas mortas. "Pierre marcou-a ontem à noite?", perguntou o criado.
O respondeu que sim com um sinal. "Você deve mostrar então", disse,
"queira levantar seu vestido, por favor". Esperou que ela enrolasse o
vestido por trás como Jeanne tinha feito na noite anterior, e que Jeanne a
ajudasse a prendê-lo. E disse-lhe em seguida para acender o fogo. As nádegas de
O, descobertas até a cintura, suas coxas e suas pernas delicadas,
enquadravam-se nas dobras em cascata da seda verde e da cambraia branca. As
cinco cicatrizes estavam negras. O fogo já estava preparado na lareira e O teve
apenas que acender a palha com um fósforo, sob os gravetos que se inflamaram.
Os ramos de macieira logo pegaram, depois as achas de carvalho que queimavam em
altas chamas crepitantes e claras, quase invisíveis durante o dia, mas
perfumadas. Um outro criado entrou e colocou sobre o console, uma bandeja com
xícaras e café, retirando-se em seguida. O aproximou-se do console. Monique e
Jeanne ficaram de pé, uma de cada lado da lareira. O pensou ter reconhecido,
pela voz, um dos homens que a tinham violentado na véspera, aquele que tinha
pedido que se tornasse mais fácil o acesso às suas nádegas. Observava-o de
soslaio, enquanto vertia o café nas pequenas xícaras pintadas em negro e ouro
que Monique ofereceu, junto com o açúcar. Teria sido então este rapaz franzino,
tão jovem e louro, que tinha o aspecto de um inglês? Mas ele continuava falando
e já não teve mais dúvidas. O outro também era louro, atarracado, com aspecto
mais pesado. Sentaram-se nas grandes poltronas de couro com os pés diante do
fogo e fumaram tranquilamente lendo seus jornais sem mais se preocuparem com as
mulheres, como se não estivessem ali. De vez em quando ouvia-se o barulho de um
papel sendo amassado, e das brasas que caíam. De tempos em tempos, O colocava
uma acha no fogo. Estava sentada sobre uma almofada no chão, ao lado de uma
cesta de lenhas. Monique e Jeanne também se sentavam no chão, à sua frente, e
suas saias espalhadas misturavam-se. A de Monique era vermelha escura. De
repente, mas só depois de já ter passado uma hora, o rapaz louro chamou Monique
e Jeanne e disse-lhes que trouxessem o tamborete. (Era o tamborete onde O tinha
sido derrubada de bruços, na véspera). Monique não esperou outras ordens;
ajoelhou-se, e inclinou-se sobre o tamborete, esmagando o busto e agarrando-se
dos lados com as duas mãos. Quando o rapaz mandou Jeanne ir levantar sua saia
vermelha, não se mexeu. Jeanne então (e a ordem foi dada nos termos mais
brutais) teve que abrir sua roupa e tomar em suas mãos aquela espada de carne
que pelo menos uma vez atravessara O tão cruelmente. Dentro da palma fechada
inchou e endureceu e O viu essas mesmas mãos, as mãos pequenas de Jeanne,
apartando as coxas de Monique, entre as quais, lentamente e com pequenos
impulsos que a faziam gemer, o rapaz penetrou. O outro homem que assistia sem
dizer nada fez sinal a O para aproximar-se e sem parar de olhar, inclinando-a
para frente sobre o braço da poltrona - a saia levantada oferecia-lhe toda a
amplitude de suas nádegas penetrou em seu ventre com toda sua mão. Foi assim
que René a encontrou um minuto depois quando abriu a porta. "Não se mexa,
por favor ", disse, e sentou-se no chão junto à lareira, na almofada em
que O estivera sentada antes que a chamassem. Olhava-a atentamente e sorria
todas as vezes que a mão a segurava, penetrava e voltava, apoderando-se ao
mesmo tempo de seu ventre e se suas nádegas que se abriam cada vez mais, e
arrancando-lhe um gemido que não podia reter. Monique já tinha se levantado há
muito tempo, Jeanne atiçava o fogo no lugar de O, trouxe para René, que lhe
beijou a mão, um copo de whisky que ele bebeu sem tirar os olhos de O. Então o
homem que continuava segurando-a disse: "É sua?". "Sim",
respondeu René. "Jacques tem razão", continuou o outro, "é muito
estreita, precisamos alargá-la". "Não demais, também", disse
Jacques. "À vontade", falou René levantando-se, "você é melhor
juiz do que eu". E tocou a campainha.
E
desde então, durante oito dias, entre o momento em que, no final do dia,
terminava seu serviço na biblioteca e o momento em que, entre oito e dez horas,
era trazida, acorrentada e nua sob sua capa vermelha, O usava, fixado no centro
de suas nádegas por três correntinhas penduradas num cinto de couro que rodeava
seus quadris, para que o movimento interno dos músculos não o pudesse rejeitar,
um cilindro de ebonite que imitava um sexo levantado. Uma dessas pequenas
correntes acompanhava o sulco das nádegas, e as outras duas o interior das
coxas, dos dois lados do triângulo do ventre, a fim de não impedirem a
penetração sempre que se quisesse. René tocara a campainha para mandar trazer
um pequeno cofre onde num dos compartimentos havia uma provisão de correntinhas
e de cintos e no outro uma variedade destes cilindros que iam dos mais
estreitos aos mais grossos. Todos eles alargavam-se na base para assegurar que
não subiriam para o interior do corpo, o que arriscaria deixar-se fechar
novamente o círculo de carne que deviam forçar e distender. O ficou assim,
aberta, e cada vez m ais, pois todos os dias Jacques ordenava que a pusessem de
joelhos, ou melhor, que a prostrassem, para cuidar de que Jeanne, Monique ou
qualquer outra que estivesse por aí, fixassem o cilindro que tinha escolhido, e
escolhia-o sempre mais grosso do que o anterior. Durante a refeição da noite,
junto com outras moças, no refeitório para onde iam depois do banho, nuas e
maquiladas, O ainda o usava, e pelas correntes e pelo cinto, todos podiam ver
que o usava. Só Jacques o retirava, no momento em que Pierre vinha
acorrentá-la, na parede, para passar a noite quando ninguém vinha solicitá-la,
ou com as mãos às costas quando a conduziam à biblioteca. Foram raras as noites
em que ninguém apareceu para utilizar este caminho que em pouco tempo tinha se
tornado tão fácil, embora continuasse mais estreito do que o outro. Depois de
oito dias não foi mais necessário e seu amante veio dizer-lhe que se sentia
feliz por encontrá-la duplamente aberta e que cuidaria de que permanecesse
assim. Avisou-lhe ainda que ia partir e que não o veria durante esses últimos
sete dias em que deveria ficar no castelo, antes que ele retornasse para
levá-la de volta a Paris. "Mas eu a amo", acrescentou, "eu a
amo, não me esqueça". Ah! E como o esqueceria, se ele era a mão que lhe
vendava os olhos, o chicote do criado Pierre, a corrente sobre a cama, o
desconhecido que mordia o fundo do seu ventre, e se todas as vozes que lhe
davam ordens eram a sua voz? Cansava-se? Não. De tanto ser ultrajada, deveria
habituar-se aos ultrajes, de tanto ser acariciada, às carícias, quando não ao
chicote, de tanto ser chicoteada. Uma terrível saciedade da dor e da volúpia
poderia transportá-la pouco a pouco a regiões insensíveis, próximas do sono ou
do sonambulismo. Mas o que acontecia era o contrário. O espartilho que a
mantinha ereta, as correntes que a mantinham submissa e o silêncio que era seu
refúgio, de alguma forma não o permitiam, assim como o espetáculo constante das
moças violentadas como ela, e mesmo quando não eram violentadas, de seus corpos
constantemente acessíveis. Também não o permitiam o espetáculo e a consciência
de seu próprio corpo. Todos os dias, e como num ritual, por assim dizer, suja
de saliva, de esperma e do suor misturado ao seu próprio suor, sentia-se
literalmente o receptáculo da impureza, o esgoto de que falam as escrituras. No
entanto, as partes do seu corpo mais constantemente ofendidas e que tinham se
tornado mais sensíveis, pareciam-lhe ao mesmo tempo mais belas, e como
enobrecidas; sua boca que se fechava sobre sexos anônimos, os bicos dos seus
seios constantemente acariciados por muitas mãos e os caminhos do seu ventre
entre as coxas abertas, estradas abertas pelo prazer. Admirava-se de que ao ser
prostituída viesse a ganhar em dignidade e , no entanto tratava-se de
dignidade. Sentia-se como iluminada por dentro e via-se, no seu modo de andar,
a calma, e no seu rosto, a serenidade e o imperceptível sorriso interior que se
adivinha nos olhos das reclusas.
A
noite já tinha chegado quando René lhe disse que ia deixá-la. O estava nua em
sua cela esperando que viessem buscá-la para ir ao refeitório. Seu amante
vestia-se como de costume, com a roupa que usava todos os dias para ir à
cidade. Quando a tomou nos braços O sentiu o tweed de seu casaco que roçava o
bico dos seus seios. Ele a beijou e deitando-a na cama, deitou-se ao seu lado.
Então, possuiu-a ternamente, lenta e docemente, indo e vindo pelos dois
caminhos que lhe eram oferecidos, para finalmente gozar em sua boca, que em
seguida beijou. "Antes de partir gostaria de mandar chicoteá-la"
disse "e desta vez lhe pergunto: você aceita?" Aceitou. "Eu a
amo ", repetiu; "agora, chame Pierre". Ela chamou. Pierre veio e
amarrou suas mãos acima da cabeça, na corrente da cama. Quando estava assim
amarrada, seu amante beijou-a mais uma vez, de pé sobre a cama ao seu lado e
ainda uma vez repetiu que a amava; depois desceu da cama e fez sinal a Pierre.
Viu-a debater-se tão inutilmente, escutou seus gemidos tornarem-se gritos e
quando finalmente as lágrimas correram, dispensou Pierre. Ela ainda encontrou
forças para dizer-lhe mais uma vez que o amava. Beijando então seu rosto
molhado e sua boca ofegante, René desamarrou-a, deitou-a e partiu.
Dizer
que O começou a esperar por seu amante no mesmo instante em que este a deixou é
dizer pouco, pois, desde esse momento, não foi mais do que espera e noite.
Durante o dia não passava de uma imagem pintada, cuja pele é doce e a boca
dócil, e - foi o único tempo em que observou estritamente esta regra - que
mantinha os olhos sempre abaixados. Acendia e alimentava o fogo, oferecia o
café e a bebida, acendia os cigarros, arrumava as flores e dobrava os jornais,
como uma mocinha no salão de seus pais, tão límpida com seu colo descoberto,
seu colar de couro, seu espartilho apertado e seus braceletes de prisioneira
que bastava ficar ao lado dos homens, quando estes exigiam, ao violentarem
alguma outra moça, para que quisessem violentá-la também; foi por isso, talvez,
que a maltrataram ainda mais. Teria cometido algum erro? Ou seu amante a tinha
deixado justamente para que aqueles a quem emprestava se sentissem mais livres
para disporem dela? Assim é que uma tarde, dois dias depois de sua partida,
quando acabava de tirar a roupa e olhava no espelho de seu banheiro as marcas
já quase apagadas da chibata de Pierre na parte da frente das coxas, Pierre
entrou. Ainda faltavam duas horas para o jantar. Avisando-a de que não jantaria
no refeitório como de costume, disse-lhe para aprontar-se, mostrando-lhe o vaso
à turca no canto do banheiro, onde com efeito teve que ficar de cócoras como
Jeanne lhe dissera que teria que fazer na presença de Pierre. Durante todo o
tempo em que permaneceu aí, ele a observava e ela via-o nos espelhos, assim
como a si mesma, incapaz entretanto de reter o líquido que escapava do seu
corpo. Em seguida, ele esperou que tomasse seu banho e que se maquilasse. E,
quando ela foi buscar seus chinelos e sua capa vermelha, interrompeu seu gesto
e, amarrando suas mãos às costas, mandou-a esperar um pouco. O sentou-se na
beira da cama. Fora havia uma tempestade de ventos frios e de chuva e o álamo
perto da janela curvava-se e novamente se alteava sob as rajadas. De tempos em
tempos algumas folhas pálidas e molhadas grudavam nos vidros. Estava escuro
como no coração da noite embora ainda não fossem sete horas, mas o outono estava
adiantado e os dias se encurtavam. Quando voltou, Pierre trazia nas mãos a
mesma venda com que tinham tapado seus olhos na primeira noite. Trazia, também,
uma longa corrente barulhenta, semelhante à da parede. Parecia que hesitava
entre por-lhe primeiro a corrente, ou a venda. Indiferente ao que se fizesse
com ela, O olhava a chuva, pensando apenas que René tinha dito que voltaria,
que ainda faltavam cinco dias e cinco noites, que não sabia onde se encontrava,
se estava sozinho e, se não estivesse, com quem estaria. Mas voltaria. Pierre
colocara a corrente sobre a cama e, sem perturbar os sonhos de O, punha sobre
seus olhos a venda de veludo negro, que se avolumava um pouco abaixo das
órbitas, aplicando-se exatamente sobre as maçãs do rosto e impossibilitando que
por aí se deslizasse o mínimo olhar ou que as pálpebras pudessem se levantar.
Bendita noite, semelhante à sua própria noite, jamais a tinha acolhido com
tanta alegria, benditas correntes que a arrancavam de si mesma! Pierre prendeu
a corrente no anel do seu colar e pediu-lhe que o acompanhasse. O levantou-se,
sentiu que era empurrada para a frente, e caminhou. Seus pés nus ficaram
gelados no ladrilho e compreendeu que seguia o corredor da ala vermelha; depois
o chão, sempre frio, tornou-se áspero: caminhava sobre um pavimento de pedra,
cerâmica ou granito. Por duas vezes o criado a fez parar: escutou o ruído de
uma chave girando numa fechadura que foi aberta e depois novamente trancada.
"Cuidado com os degraus", disse Pierre. Começou a descer uma escada,
mas tropeçou. Pierre segurou-a com força. Nunca a tinha tocado antes, a não ser
para acorrentá-la ou para lhe bater, mas nesse momento deitou-a nos degraus
frios onde, para não escorregar, O agarrava-se o melhor que podia com as mãos
presas, e pegou seus seios. Sua boca ia de um para o outro, e ela percebeu que,
enquanto apoiava-se nela, lentamente ia se enrijecendo. Só a levantou quando
tinha acabado de usá-la à vontade. Molhada e tremendo de frio, descera
finalmente os últimos degraus, quando ouviu que mais uma porta se abria e,
assim que passou por ela, sentiu sob os pés um tapete espesso. Mais uma vez a
corrente foi esticada e, em seguida, as mãos de Pierre desamarraram suas mãos e
tiraram sua venda. Encontrava-se num compartimento redondo e abobadado, muito
pequeno e baixo; as paredes e a abóbada eram de pedra e viam-se as juntas de
alvenaria. A corrente que estava presa ao seu colar, prendia-se também à parede
na frente da porta, por uma argola fixada a um metro de altura e só lhe
permitia dar dois passos para a frente. Não havia cama, nem simulacro de cama,
nem coberta, apenas três ou quatro almofadas marroquinas, mas fora de seu
alcance, e que não lhe eram destinadas. Entretanto, ao seu alcance, num nicho
de onde partia o pouco de luz que iluminava a peça, encontrava-se uma bandeja
de madeira com água, frutas e pão. O calor dos aquecedores que tinham sido
dispostos na base e no meio das paredes e que formavam uma espécie de
plataforma ardente à sua volta, não era suficiente, entretanto, para eliminar o
odor de limo e de terra que é o odor das antigas prisões nas torres desabitadas
dos velhos castelos. Nesta penumbra quente onde nenhum ruído penetrava, O logo
perdeu a noção do tempo. Não havia mais dia nem noite, a luz nunca se apagava.
Pierre, ou qualquer outro criado, indiferentemente, vinha pôr água, frutas e
pão na bandeja quando tinha acabado, e levá-la para banhar-se numa habitação
contígua. Nunca viu os homens que entravam, pois todas as vezes um criado vinha
antes para vendar seus olhos e só retirava a venda quando tinham saído. O
também esqueceu quantos foram, e suas doces mãos e seus lábios acariciando às
cegas jamais souberam reconhecer a quem estavam tocando. Às vezes eram muitos,
mais frequentemente vinham sozinhos, mas todas as vezes, antes de se
aproximarem, era posta de joelhos diante da parede, com o anel do seu colar
pendurado na mesma argola onde já se encontrava fixada a corrente, e
chicoteada. Colocava então as palmas das mãos contra a parede, apoiando nelas o
rosto para não arranhá-lo na pedra; mas mesmo assim ainda escoriava os joelhos
e os seios. Também perdeu a conta dos suplícios e dos gritos que a abóbada
abafava. Esperava ...
De
repente o tempo deixou de ser imóvel. Em sua noite de veludo soltavam sua
corrente. Fazia três meses, três dias, dez dias ou dez anos, que esperava.
Sentiu que a envolviam num tecido grosso e que alguém, segurando-a pelos ombros
e pelos tornozelos, levantava-a e a levava. Reencontrou-se em sua cela, deitada
sob a coberta negra. Era o começo da tarde, seus olhos estavam abertos, suas
mãos livres e René, sentado ao seu lado, acariciava seus cabelos. "Deve se
vestir", disse, "vamos partir". Tomou então um último banho, e
ele escovou seus cabelos entregando-lhe seu pó-de-arroz e seu batom. Quando ela
voltou à cela, encontrou sobre a cama seu tailler, sua blusa, sua combinação,
suas meias e seus sapatos, assim como a bolsa e as luvas. Encontrou até o
casaco que costumava usar sobre o tailler quando começava a esfriar, e um lenço
de seda para proteger o pescoço. Mas não estavam aí nem sua cinta-liga, nem
suas calcinhas. Vestiu-se lentamente, enrolando as meias acima dos joelhos e
sem vestir o casaco, pois fazia muito calor na cela. Neste momento, entrou na
cela o homem que na primeira noite tinha lhe explicado o que lhe seria exigido
e retirou seu colar e os braceletes que há duas semanas mantinham-na cativa.
Estaria enfim livre? Ou ainda faltaria alguma coisa? Não disse nada, ousando
apenas passar as mãos sobre os punhos, sem ousar levá-las ao pescoço. Em
seguida o homem mostrou-lhe vários anéis iguais num pequeno cofre de madeira e
mandou que escolhesse o que servisse melhor no seu anular esquerdo. Eram
curiosos anéis de ferro folheados a ouro no interior e com um engaste grande e
pesado como o de uma chevalière (um tipo de anel grande e pesado) - porém mais
alto, contendo em ouro o desenho de uma espécie de roda semelhante à roda solar
dos celtas, com três ramificações, que se fechavam em espiral. O segundo que
experimentou, forçando um pouco, coube exatamente. Era pesado em sua mão, e o
ouro brilhava furtivamente no cinza fosco do ferro polido. Por que o ouro, por
que o ferro, por que este signo que não compreendia? Mas, neste aposento
revestido de vermelho, onde a corrente ainda se encontrava pendurada acima da
cama e a coberta negra caída ao chão e onde o criado Pierre podia entrar, ia
entrar, absurdo em seu traje de ópera à luz velada de novembro, não era
possível falar. Enganava-se: Pierre não entrou. René ajudou-a a vestir o casaco
do tailler e as longas luvas que cobriam seus pulsos. O pegou seu lenço de
seda, sua bolsa e seu casaco de inverno. Os saltos de seus sapatos faziam menos
barulho sobre o ladrilho do corredor do que os chinelos que usara. As portas
estavam fechadas, o vestíbulo vazio. O segurava a mão de seu amante. O
desconhecido que os acompanhava abriu as mesmas grades que Jeanne uma vez
dissera serem do claustro e que não mais estavam guardadas por criados e por
cães, puxou uma das cortinas de veludo verde, e deu-lhes passagem. A cortina
fechou-se novamente. Ouviu-se a grade sendo fechada. Estavam sozinhos num outro
vestíbulo que dava para um parque. Só faltava descer os degraus da escadaria
diante da qual O reconheceu o carro. Sentou-se ao lado de seu amante que tomou
o volante e partiu. Saíram do parque cujo portão encontrava-se totalmente
aberto, e tendo rodado algumas centenas de metros, ele parou para beijá-la.
Isso aconteceu um pouco antes de um tranquilo vilarejo por onde passaram em
seguida. O pôde ler o nome da placa indicadora: Roissy
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