O
reflexo no espelho não mente: sua barba está por fazer há alguns dias, mas
você, cansado do ritual, vem protelando a lâmina. A saída? Deixá-la crescer e
adotar um novo visual. Pois saiba que, ao assumi-la, você estará passando uma
nova mensagem – talvez até se transformando em um novo homem. Não é exagero.
Basta olhar para a história para entender o impacto que os pelos faciais
exercem na identidade masculina. Do homem das cavernas a Karl Marx, de
Aristóteles a George Clooney, não há como dissociar a barba do que essas
pessoas representaram (ou quiseram representar).
“Desde
a Antiguidade a barba simboliza poder, autoridade e sabedoria”, diz o
historiador Dante Gallian, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Reis, imperadores e sultões ostentavam pelos faciais como prova do poder que
era conferido a eles pelos próprios deuses – geralmente barbudos também. Para
os sábios, magos e sacerdotes, a barba longa (branca, de preferência) era
evidência palpável do seu grau de conhecimento. Na Grécia Antiga, a moda entre
os grandes pensadores, como Sócrates e Aristóteles, era ser barbudão. Até que
Alexandre, o Grande, literalmente impôs uma nova tendência: para evitar que
seus soldados fossem agarrados pela barba, ordenou que todos escanhoassem seus
rostos. Já em Roma a história foi outra. Os primeiros imperadores romanos, como
Augusto, Cícero e Tito, ostentavam um visual liso. O motivo, segundo
estudiosos, estaria na ojeriza aos bárbaros (barbudos e cabeludos), seus
grandes inimigos na época. De fato, ao longo da história, são diversos os casos
de uso da barba como forma de diferenciação. Escravos, por exemplo, eram
invariavelmente obrigados a ter o rosto liso se a barba estivesse em voga na
elite (e vice-versa).
No
final do século 19, uma nova tendência cai no gosto dos poderosos, inclusive no
Brasil República. “Até então barbas e cabelos brancos expressavam sobriedade e
respeito, mas não demorou muito para que as barbas escuras e até as tinturas
fizessem sucesso entre os republicanos que aspiravam ao poder no País”, explica
Denise Bernuzzi de Sant’Anna, professora de história da PUC-SP e autora do
livro História da beleza no Brasil. Quase como bandeiras, a moda de barbas e
bigodes passa a acompanhar os vaivéns da ordem mundial. “Na época da Revolução
Industrial, os operários deviam ter a cara limpa, para evitar que os pelos se
enroscassem nas máquinas”, lembra Gallian. Em contraponto a essa “moda” das
classes mais baixas, pelos abundantes passaram a ser privilégio de artistas e
intelectuais, como o filósofo alemão Karl Marx. A Primeira Guerra Mundial
provoca outra reviravolta estética, estabelecendo o rosto bumbum de bebê como
novo padrão masculino. “Rodolfo Valentino, maior ator do cinema mudo, descarta
a barba como símbolo de virilidade e impõe o rosto liso como atributo de
sedução”, comenta a professora da PUC-SP.
Os
rostos lisos provavelmente reinariam até hoje, não fosse a moda da barba
crescida que tomou proporções mundiais nos últimos anos, a ponto de causar
tremendo impacto em empresas como Gillette e Braun, que experimentaram uma
queda de até 15% nas vendas de lâminas e barbeadores. O que, na avaliação do
professor Dante, tem uma explicação sociológica. Ele atribui o fenômeno ao
resgate da imagem do “homem de verdade”, colocada de escanteio em meio às
mudanças e inversões dos papéis masculinos e femininos na sociedade. “Assim
como as mulheres se ‘masculinizaram’ para enfrentar o mercado de trabalho, o
homem se ‘feminilizou’, assumindo novos papeis em casa, e com maior liberdade
para assumir seu lado sensível”, diz Dante. Os homens, segundo eles, se
ressentiram da falta dessa imagem de masculinidade perdida nas últimas décadas.
Resultado? Voltaram a adotar a barba como símbolo dessa ressurreição. Mas essa
não é a única vertente dos barbudos atuais. Que o digam os adeptos da
subcultura hipster (cuidado, eles não suportam serem chamados assim). Modernos
e antenados, eles elegeram a barba longa e cheia, ao estilo lenhador, como um
de seus principais símbolos estéticos. Ou seja, se você está com preguiça de
fazer a barba e anda meio desleixado, aproveite. Antes que a moda passe.
(publicado originalmente na Revista STATUS em Julho de 2015)
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