ENTREVISTA
COM CATE BLANCHETT
(por
Juliana Rezende para M de Mulher – 13 01-2016)
Ela
é majestosa, mas não é esnobe. E também não é inglesa. A atriz Cate Blanchett é
australiana, mas tem um senso de humor bastante inglês. É franca e engraçada;
direta, sem “mimimi”. Fina, educada, simples, porém (muito) segura. Ela não
precisa usar vestido de grife para causar ao entrar no salão do descolado Soho
Hotel, onde acontece uma coletiva de imprensa do filme Carol, antes da première
europeia, no 59o BFI London Film Festival. A impressão que se tem é de que
estamos diante de Elizabeth – a rainha, papel mais célebre da atriz. Sim, ela é
a rainha do festival, onde recebeu o British Film Institute Fellowship, a maior
honraria do cinema britânico, por sua carreira extraordinária.
Aos
46 anos, Cate Blanchett está com tudo e não parece prosa. “Carol”, que estreia
no Brasil nessa quinta (14), é sobre o amor entre duas mulheres vindas de
mundos completamente diferentes. Cate vive a personagem-título. É mãe, separada
do marido, rica e bem-colocada. Therese (Rooney Mara) é mais jovem, trabalha
como balconista de loja e aspira ser fotógrafa. Ambas se atraem numa Nova York
austera do pós-Segunda Guerra. Se é o momento certo para duas mulheres
assumirem um relacionamento amoroso? “É sempre o momento certo para histórias
de amor”, afirma Cate. “E essa é uma história de amor – só que entre duas
mulheres”, simplifica, descartando que seja um filme querendo levantar a
bandeira lésbica.
“Carol”
tem colecionado indicações para as premiações do cinema que acontecem no início
do ano. No Globo de Ouro foram cinco as indicações, incluindo melhor filme,
melhor atriz e melhor atriz coadjuvante, para Cate e Rooney, respectivamente.
No BAFTA, maior premiação do cinema britânico, foram as mesmas indicações do
Globo de Ouro e mais seis, totalizando nove. No Oscar, mais seis: melhor atriz
e melhor atriz coadjuvante, melhor figurino, melhor fotografia, melhor roteiro
adaptado e melhor trilha sonora original.
A
produtora Elizabeth Karlsen contou que passou mais de dez anos querendo fazer
esse filme, baseado no livro “The Price of Salt”, de Patricia Highsmith,
publicado originalmente em 1952, e batalhou muito para conseguir até que o
diretor Todd Haynes (“Velvet Goldmine”, “Não Estou Lá”) entrou no projeto. ”Em
48 horas, tudo começou a andar!”, recorda-se Karlsen, animada.
Haynes
diz que na hora se encantou com a história e depois aprendeu muito com ela.
“Descobri que mulheres fazem sexo entre si e eu não sabia como isso era
possível!” (risos). Para o diretor, “o filme mostra Carol como um objeto de
desejo de Therese – e todos os conflitos na vida de Carol, que não são poucos,
passam pela lente da máquina fotográfica de Therese. Mas, no final, é Carol que
acaba contemplando Therese, uma mulher mudada e amadurecida com o
relacionamento.”
Mesmo
com o fato de a homossexualidade estar sendo amplamente aceita como um direito
na cultura ocidental, há que se comemorar algumas conquistas que Carol vem
desbravando mundo afora. Mas como será a recepção deste filme em países como
China e Rússia? A produtora Elizabeth Karlsen começa com uma boa notícia:
“’Carol’ foi vendido para a Turquia, onde a coisa não é fácil para gays. Mas na
China e Rússia não vamos conseguir exibir o filme, embora certamente haverá
sessões clandestinas”, acredita. O diretor Todd Haynes quebra o gelo e conta,
rindo, que “uma jornalista chinesa disse que, só de ver o trailer, milhões de
mulheres chinesas estão saindo do armário! A culpa é da Cate e Rooney, essas
lindas!”
AVASSALADORAS
Cate
balança a cabeça concordando com eles ironicamente. E já vem outra pergunta a
ela: “Se hoje a homossexualidade ainda é tabu, nos anos 1950, quando o filme se
passa, tudo poderia ser muito mais difícil, tornando esse amor inviável,
concorda?” Cate pensa que não: “Li recentemente uma carta de uma mulher chinesa
encontrada com o corpo de seu marido, morto em 1400. Achei que fosse escrita
hoje! É a prova de que se apaixonar tem
sido meio que a mesma coisa ao longo da história da humanidade. O amor
avassalador não tem qualquer relação com época – a paixão é algo humano e
profundo e independente do tempo. Apaixonar-se é estar tomado por um certo
torpor – e essa é uma sensação eterna. É
perigoso, você se sente fora de controle, há medo e muito desejo envolvido. Seu
coração dispara… Atualmente, pode ser mais fácil ficar nu, mas amar de verdade
é viver esse tipo de conexão atemporal.”
Na
relação de Carol e Therese, quem recebe mais e quem dá mais? “Sexualmente?”, Rooney Mara pergunta,
timidamente. Cate defende a parceira no ato: “Acho que o que a medida não é
essa: é mais sobre experiência, crescimento…”. Rooney assume o protagonismo,
pelo menos nesta resposta: “Não sei. Acho que ambas recebem e dão! Em muitos
relacionamentos cada parte dá e também recebe – é difícil medir. No caso de
Carol e Therese é igual”.
Um
jornalista do The Sun (jornal inglês tradicionalmente sensacionalista) pergunta
a Cate o que ela acha dos “comentários que saíram na imprensa questionando sua
própria sexualidade”, depois da exibição do filme. ”Jornalistas adoram citar
outros jornalistas, não? Acho muito engraçado como alguns deles se sentem à
vontade ao me perguntar se tive muitos casos quando interpreto alguém que tem
um affair num filme, mas não me perguntam quantos já matei se interpreto uma
assassina”.
MULHERES
FORTES
Exibindo
filmes com temáticas femininas e feministas, como “As Sufragistas“, a 59a.
edição do London Film Festival foi chamada de “festival das mulheres fortes”,
pela diretora Claire Stuart. As atrizes de “Carol” estão entre estas mulheres?
Cate se espanta com a afirmação: “O que querem dizer? Isso é tão vago! Claire,
o que quis dizer com isso? Eu sinceramente não sei! Acho que somos normais.
Apenas mulheres sem uma agenda especial com a obrigação de sermos fortes. Somos
seres humanos, mas talvez sejamos chamadas assim porque sofremos mais pressão
da sociedade. Mas acho que isso já se tornou um clichê. Acho que somos seres
complexos, com virtudes e fraquezas.”
Se
a força está ou não com ela, Cate Blanchett segue colhendo frutos de um
trabalho sólido. Em 1999, ela encarnou a monarca Elizabeth com uma performance
arrebatadora, mostrando bem o conflito entre altivez e fragilidade dessa
fascinante mulher – papel com que conquistou uma tremenda reputação, um Globo
de Ouro e um BAFTA de Melhor Atriz. O sucesso foi certo – assim como o papo
reto dessa atriz corajosa. Em 2014, Blanchett ganhou o Oscar de Melhor Atriz
pela socialite perturbada em Blue Jasmine, de Woody Allen. Mas a primeira estatueta
veio em 2005 como Coadjuvante, interpretando Katharine Hepburn, em O Aviador.
A
marca que a atriz imprime às suas mulheres já havia se espalhado e ganhado
reconhecimento de instituições como Alliance of Women Film Journalists, que a
homenageou pela Contribuição Inestimável Feminina à Indústria do Cinema em
2006, pelos papéis de Susan, em “Babel”, Lena Brandt, em “O Segredo de Berlim”,
e Sheba Hart, em “Notas sobre um Escândalo”.
Recentemente,
Cate deu vida a outros personagens no mínimo inusitados para compor o projeto
artístico “Manifesto”, de Julian Rosefeldt: uma professora, uma operária, uma
coreógrafa, um sem-teto, uma mãe religiosa… Além dos tipos fotografados, a
atriz criou monólogos para cada um deles, que podem ser vistos numa exposição
no Australian Centre for Moving Image, em Melbourne, até março de 2016.
Neste
ano, Cate Blanchett volta ao cinema com Truth, drama jornalístico coestrelado
por Robert Redford em que ela é a produtora Mary Mapes, da CBS News,
investigando George W. Bush. E a boa nova é que Cate deve mesmo estrelar a
cinebiografia da atriz Lucille Ball, da série I Love Lucy, ainda em
pré-produção.
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